Corre a serra joana gomes Galope desesperado: Um touro se defendendo, Homens querendo humilhá-lo, Um touro com sua vida, Os homens em seus cavalos.
Cortava o gume das pedras Um bramido angustiado, Se quebrava nas catingas Um galope surdo e pardo E os cascos pretos soavam Nas pedras de fogo alado, Enquanto o clarim da morte, Ao vento seco e queimado, Na poeira avermelhada Envolvia os velhos cardos.
Rasgavam a serra bruta Aboios mal arquejados E, nas trilhas já cobertas Pelo pó quente e dourado, Um gemido de desgraça, Um gemido angustiado:
- "adeus, lagoa dos velhos! Adeus, vazante do gado! Adeus, serra joana gomes E cacimba do salgado! O touro só tem a vida: Os homens têm seus cavalos"!
O galopar recrescia: Brilhavam ferrões farpados E algemas de baraúna Para o touro preparados. Seu sabino tinha dito: - "ele há de vir amarrado"!
Miguel e antônio rodrigues, De guarda-peito e encourados, Na frente do grupo vinham, Montados em seus cavalos De pernas finas, ligeiras, Ambos de prata arreados. E, logo à frente, corria O grande touro marcado, Manquejando sangue limpo Nos caminhos mal rasgados, Cortadas as bravas ancas Por ferrões ensangüentados.
A serra se despenhava Nas asas de seus penhascos E a respiração fogosa Dos dois fogosos cavalos Já requeimava, de perto, As ancas do manco macho Quando ele, vendo a desonra, Tentando subjugá-lo, Mancando da mão preada Subiu num rochedo pardo:
Num grito, todos pararam, Pelo horror paralisados, Pois sempre, ao rebanho, espanta Que um touro do nosso gado Às teias da fama-negra Prefira o gume do fado. E mal seus perseguidores Esbarravam seus cavalos, Viram o manco selvagem Saltar do rochedo pardo:
-"adeus, lagoa dos velhos! Adeus, vazante do gado! Adeus, serra joana gomes E cacimba do salgado! Assim vai-se o touro manco, Morto mas não desonrado"!
[aboio]
Silêncio. a serra calou-se No poente ensangüentado. Calou-se a voz dos aboios, Cessou o troar dos cascos. E agora, só, no silêncio Deste sertão assombrado, O touro sem sua vida, Os homens em seus cavalos.