Arnaldo Antunes

Não

Arnaldo Antunes


Não
Uma palavra assim
tão
Curta quase um soluço
Talvez a dissolução
do que obstrui a passagem
Do sangue pro coração
Do que impede a viajem
Do vento até o pulmão

Não
Uma palavra pequena
Mas muito mais obscena
Do que qualquer palavrão
Palavra chave de algema
Já elimina o dilema
Se vc diz "porque não"

Então
Porque não dizer "não"
Porque
não
Porque não dizer

Um grão que o corpo semeia
Como uma infecção
Pois o que a boca bloqueia
Cresce demais no porão
O silêncio incendeia
No corpo do escorpião
O veneno dentro da veia
Para alimentar o ferrão

Não
Uma palavra pequena
Com uma sílaba apenas
Mas ruje como um trovão
Uma pequena blasfênea
Que desamarra o problema
Se a gente diz "porque não"

Então
Porque não dizer "não"
Porque
não
Porque não dizer

Palavra que não tem meio
Já inicia no fim
Como um reflexo no espelho
Que seu sinônimo sim
Dentro da boca, essa bomba
Espera a sua explosão
Enquanto engorda na sombra
Para arrombar a prisão

Mas se ele vem a ser dito
Vira uma afirmação
Num balbucio ou num grito
Desfaz a indecisão
Desembaraça o conflito
Que embaçava a visão
A vida ganha sentido
O pé recupera o chão

Desata o nó da gravata
Tira a coleira do cão
Faz da mentira sucata
Que se recicla em ação
O fogo vira fumaça
Madeira vira carvão
O muro se despedaça
Não se disfarça mais não

Então
porque não dizer "não"
porque
não
porque não dizer

Compositor: Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho (Arnaldo Antunes)
ECAD: Obra #9270599

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