Caju & Castanha
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Um Matuto na Capital

Caju & Castanha


Eu morava no sertão
E fui tentar melhorar
Procurei uma capital
Onde eu pudesse habitar

Eu fui nascido e criado
Lá pras bandas do sertão
Usando blusa de meia
Matuto, de pé no chão
Só trabalhava na serra
Porque lá na minha terra
Não tinha poluição

Eu fui tentar melhorar

Quando eu completei dez anos
Nem uma sandália eu tinha
Eu não falava direito
Nem escrever eu sabia
Eu era o pior matuto
Que a minha cidade tinha

Eu fui tentar melhorar

O meu pai era matuto
Andava todo envergado
Usava um chapéu de couro
Não andava preocupado
Quando via um caminhão
Botão o chapéu na mão
E corria desembestado

Eu fui tentar melhorar

Minha mãe era matuta
De fazer admirar
Se via um desconhecido
Corria logo pra lá
Ia perguntar o nome
Parece que tinha fome
De mentir e perguntar

Eu fui tentar melhorar

Com treze anos de idade
Nem de casa eu saía
Assim que chegava a noite
Pra minha rede eu corria
Passava a noite enrolado
Com um? lençolzinho? rasgado
Que a minha mãe me cobria

Eu fui tentar melhorar

Certo dia, o meu padrinho
Foi em casa, me visitar
Convidou-me pra ir com ele
Conhecer a capital
Me prometendo um emprego
Pra trabalhar de banqueiro
Todo dia sem parar

Eu fui tentar melhorar

Eu falei pro meu padrinho
Sendo assim, vamos na hora
Botei minha roupa num saco
Amarrei tudo lá fora
Entramos num Chevrolet
Meu padrinho era o chofer
E peitamos de mundo a fora

Eu fui tentar melhorar

No caminho, o meu padrinho
Me iludiu que só o cão
Disse "eu vou te ensinar
a dirigir meu caminhão"
Peguei meu primeiro emprego
Foi eu pra matar morcego
E empurrar carro de mão

Eu fui tentar melhorar

Na casa do meu padrinho
Tudo era diferente
Um pote, uma geladeira
Um lado frio, um lado quente
Fui matar minha sede louca
Botei água em minha boca
E fui chorar com dor de dente

Eu fui tentar melhorar

Ligaram um radiola
Um cabra cantando sem rima
Uma música esculhambada
"Comeram o siri da prima"
O disco era um esqueleto
Era um papel com um bolo preto
E uma vara frescando em cima

Eu fui tentar melhorar

Ligaram a televisão
Eu também não conhecia
Mulher agarrava homem
Um chorava, outro gemia
Eu disse, pode fechar
Que eu não dou valor a olhar
Esse tipo de putaria

Eu fui tentar melhorar

Me mostraram uma sinuca
Eu não gostei da tal desgraça
Aqueles ovões de perua
Não se quebra e nem se amassa
Os cabras eram o dia inteiro
Pareciam dos forneiros
Quando estão mexendo massa

Eu fui tentar melhorar

E na hora do jantar
Não gostei da refeição
Uma xicrinha de café
Uma rodela de pão
Falei, padrinho se admira
Gosto de comer traíra
E uma pratada de pirão

Eu fui tentar melhorar

E na hora da dormida
Foi um grande desespero
Me entregaram uma cama
Um lençol e um travesseiro
Só pra sujar minha roupa
Dormi num saco de estopa
Lá na porta do banheiro

Eu fui tentar melhorar

As quatro da madruga
Eu ouvi um sujeito gritar
Te levanta peregrino
É hora de levantar
Venha varrer o quintal
O cabra aqui entra é no pau
Se não quiser trabalhar

Eu fui tentar melhorar

As cinco horas da tarde
Eu disse, padrinho venha cá
Me dê o meu dinheirinho
Que agora eu vou namorar
Saí atrás de mulher
Fiquei numa praça em pé
Olhando os homens passar

Eu fui tentar melhorar

Não fazia dez minutos
Que eu olhava o movimento
Chegou um soldado e disse
Cadê os seus documentos
Arriei minha cueca
Levei uma cacetada
E apanhei que só jumento

Eu fui tentar melhorar

Depois de muito apanhar
O soldado gritou levanta
Me levou lá pra cadeia
Onde não é casa santa
Lá foi que eu fiquei nervoso
Quando ouvi um criminoso
Dizer, chegou minha janta

Eu fui tentar melhorar

Mas besta, que eu não sabia
Que ele era estuprador
Foi de tanto estuprar preso
Que ali continuou
Parecendo um cavalo
Ciscando igualmente um galo
Pra perto de mim chegou

Eu fui tentar melhorar

Eu não nego meu amigo
Que eu fiquei muito assustado
Vendo o malandro vestido
Com aquele peneirado
Dizendo assim, minha nega
Aqui quando um preso chega
Por mim, vai ser calibrado

Eu fui tentar melhorar

Eu fiquei muito assustado
Acredite meu irmão
Dei um pontapé no preso
Que arrebentei o portão
Sai doido, na carreira
Fui dormir em um banquinho
Na praça da estação

Eu fui tentar melhorar

Antes de cinco minutos
Que eu pude me agasalhar
Um bêbado senta ao me lado
E começa a me perturbar
Foi dizendo, meu senhor
Que me fazer um favor
De ir pra mim bem "acolá"

Eu fui tentar melhorar

Eu disse, ora pois não
Vou já sem ter cerimônia
Eu para fazer favor
Tenho disposição medonha
O que é pra ir buscar
Disse ele, é pra comprar
Um pouquinho de maconha

Eu fui tentar melhorar

Nisso eu perguntei a ele
Onde é que tem pra vender
Disse ele, naquela rua
Uma placa você vê
Eu fui comprar a miséria
Porque pensava que era
Alguma coisa de comer

Eu fui tentar melhorar

Saí procurando na rua
Placa não pude avistar
Só vi um soldado em pé
E lá mesmo eu fui perguntar
Seu polícia se desponha
Me diga onde tem maconha
Aqui pra gente comprar

Eu fui tentar melhorar

Ele disse, demore lá
Que eu lhe ensino aonde tem
Deu com a mão
Parou um carro
De soldado, vinha uns cem
E disse meus companheiros
Leve esse cara fuleiro
Que é maconheiro também

Eu fui tentar melhorar

Ali naquele momento
Tornei a voltar pra prisão
Naquele carro trancado
Que chamam de camburão
O povo nem se importava
Que onde eu botava a cara
Recebia um empurrão

Eu fui tentar melhorar

Quando sai da cadeia
Desabei pro meu local
Vivo lutando com gado
Na porteira do curral
A verdade você leva
Eu brigo com qualquer um
Que me chamar pra capital

Eu morava no sertão
E fui tentar melhorar
Procurei uma capital
Onde eu pudesse habitar

Compositor: Ricardo Alves da Silva (Cajuzinho)
ECAD: Obra #3225785 Fonograma #1464062

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