Carlo Rappaz
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Ainda É Cedo

Carlo Rappaz


[ponte]
Baseado no livro de caco barcelos
(ouve-se passos e tiros)

[verso 1]
Ainda é cedo
Luto pela vida
A chuva cai forte
Não ameniza
As minhas dores
Que ainda são as mesmas
Ainda é cedo mas, agora sinto medo
A minha mente
Vagueia pela noite passada
Eu nem imaginava
Não tinha medo
Nada assustava
E agora, o que mais quero
É voltar pra casa
A minha sorte
Só vai depender
Dos malabarismos
Que eu puder fazer

Um grito de socorro
Masculino
Ninguém vai me ouvir
Percebi, tô fu#
Mas, ... que lugar é esse?
Ainda é cedo?
cadê meu relógio?
Que dor no peito!
Nossa!
Aquele é o fábio
Aí fábio!
Vich... olha o eduardo
Expressão de horror
tô me lembrando
Ainda falta um
cadê o adriano?

Me arrasto
Não sinto a minha perna direita
Um buraco na coxa
Dor de cabeça
Olha o adriano lá ó!
Quase sem rosto
Se pá, foi de doze
Bem perto do pescoço

Ainda é cedo
Cedo
Cedo

[refrão]
Muito jovem
Pra morre ê
Não é assim
Que tem que ser
Mas, é assim
Que essa gente
Quer você, você
Você
De miolos estourados
Mais um jovem desovado dentro dum matagal
Mais uma vitima de ação policial
Policial, policial

[verso 2]
Não vi motivos
Para estar aqui
Policia, geral, discussão
Ah!
Que pesadelo!
Parece até que vejo
Tudo em branco e preto
Sentado no sofá
Da sala da minha casa
Na tela da tv
E a mesma pergunta
Por que?
Se eu não devo nada
Meus manos também não
Os quatro fuzilados
De bruços no chão

Preciso de ajuda
As dores são muitas
Meu grito é sufocado
Pelo mato e pela chuva
Não vejo ruas por aqui
Um matagal imenso
O local já deve ser usado assim
Há muito tempo
Ainda é cedo?
Nove ou dez da manhã?
E os nossos familiares
Meus pais, minha irmã
Será que nos procuram
Nas delegacias
No I. m. l, ou
Na casa da minha tia?

Será que alguém viu?
Ninguém testemunhou?
Só tava nois quatro
Quando us homi chego
Acho que devia sê
Meia noite e pouco mais ou menos
Meia noite e trinta
Se bem me lembro
A gente vinha pela rua
Trocando idéias
O último busão
Nos trouxe pra favela
Surpresa, a "barca"
Tsc... "num devo nada"
Vem atrás de nois
Na moral apagada

Mandaram encostar
De cara pr'uma cerca
Um barraco escuro
Nenhuma luz acesa
R. g não mão, sem passagem, nada consta
Só um beozinho do fábio por maconha
Cheiraram nossas mãos
Sentiram a tabela
Só o cheiro não da nada
Mas, é guela

Eram quatro fardados
Tudo chapado
Um preto baixinho
Endemoninhado
Um ruivo, alto
De bigode ralo
Não pude ver os outros
Não deixaram
Tinham armas de sobra
Revólveres, pistolas
Mais que o armamento
Da policia comporta
Deram voz de prisão
Algemaram a gente
Por contravenção
É sobrevivente
Ainda é cedo

[refrão]

[verso 3]
Dentro do camburão
O gelo, tensão
Nem um pio entre nos
Nenhuma reação
Circulamos
Mais de meia hora
Estrada esburacada
Dava pra sentir
De onde a gente estava pro d. p
Era no máximo
Dez minutos, po# *
Demorou muito
Um pm gargalhava
Tabela de fumo
Não dava pra ver nada
Tudo escuro

Paramos, em pânico
Ninguém admitia
Uma, duas, três
Quatro portas se abriam
Balbucio de reza
Não sei de quem era
Só sei que me fez
Tremer das pernas
Chegaram abriram
Quatro demônios
Gritavam pra car¥£€#
O lugar é estranho
A gente foi puxado
Pra fora do carro
Pelos cabelos
Pernas, braços

Jogados no chão
Pisoteados
Batiam com prazer
Queimavam com cigarros
Chorar, suplicar
Não adiantava
Nem "pelo amor de Deus"
Nada
último ato
Cena seis
"cara pro chão vagabundo
Vai morrer! "
Não sei qual que foi
Desmaiei, tô vivo
Só vi um clarão
Eu não sei quantos tiros

Um na perna
E o resto eu não quero nem ver
cadê a estrada?
Preciso viver
Se eu morrer assim
Não justificaria
Sofrer devagar
Ficar pro outro dia
Com dezenove anos?
Não!
Ainda é cedo!
(canto de pássaro)
Esta anoitecendo
Talvez, seja só minha visão escurecendo
Ouço um pássaro cantar
Rasgando o vento

Longe daqui
Ninguém vai me salvar
Cansei de resistir, mas
Não quero me entregar
Meu Deus, senhor!
Isso não é justo
A gente morre assim?
E isso é tudo?
Quem vai pagar
O preço das vidas
De quatro pessoas
No começo da vida?
A lei das pessoas
Aqui da terra
tá desse jeito
Ainda é cedo
E eu morrendo

[refrão]

Compositor: Jose Carlos Mendes de Aguiar (Carlo Rappaz)
ECAD: Obra #16348365

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