Vou aqui flutuando pelo espaço Vim sondar um pouquinho cá de cima Pra rever se os viventes fazem rima Ou se tudo é só estardalhaço Vou ficar por aqui mais um pedaço Esperando dá meia noite e meia Quando a esfera cansada não vadeia Começo no martelo bater fundo Mas em vez de cantar pra todo mundo Vou cantar para ti cabra-de-pêia
Vou cantando o martelo sobretudo Indagando porque estás culpado, Além disso ainda vives magoado, Justificando o mal que há no mundo, Alimentando um mal estar profundo? Mas quem sabe depois desta cantiga Tu escapas da morte ou da vida Cambaleias bebendo a ignorância Ou mastigas pra sempre tua ânsia E deixas tua lida esquecida
Mas o cabra soltou com elegância Um sorriso do tamanho da boca E fingindo não ter cabeça ôca Tentou dissimular sua arrogância Camuflando com as mãos a jactância Disse que minha arte tem defeito Que o arranjo que eu faço já foi feito Gritou que eu devo ser mais criativo Ou mereço sofrer feito nativo Com pancadas de martelo no peito
Em seguida mostrou-se compassivo Veio me oferecer sua amizade E me abrindo o baú da sanidade Nominou meu sotaque: evasivo Falou que eu devo ser mais agressivo Me propôs empregar a lisergia Explorar bem essa tecnologia Teclados e guitarras e barulho Postulou que o meu som não tem fagulho Que eu sou presa da midiologia
Mas eu sigoversandomartelado Não que eu desconsidere o que é novo Admiro as invenções do povo Não duvido de rock agalopado Nem da síntese tosca no teclado E a guitarra roncando em estampido É um trovão quando açoita seu ruído Sariema de feia ficou bela Que dirás dentadura na banguela? E a donzela no primeiro gemido?
O meu canto aprendi desde menino O que tenho a dizer cresci cantando Qual fogueira joanina se queimando Qual balão colorindo o céu-destino Muito embora traçado em desatino Nunca vi cangaceiro sem cangaço Ademais acho que nem arte faço Eu só quis aprender a fazer renda Pra não ter que viver devendo prenda Na terra e tão pouco no espaço
Mas o cabra dos cantos aguerridos Bem jurou acabar com a minha festa Disse que eu sofro de falsa modesta E engrossando o coro dos ressentidos Rotulou os meus versos de falidos Já passava de meia noite e meia Uma esfera cansada não vadeia Já que você parece tão seguro Afirmando conhecer o futuro Lá vai meu tum tum tum, cabra-de-peia
Vida não imita arte Nem arte imita vida Não passa de poesia .
Compositor: Climerio de Oliveira Santos (Clima Santos) ECAD: Obra #990918 Fonograma #699766