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Por Leonardo Lichote - Colunista do Segundo Caderno do Jornal O Globo

"Rock rural, alt-country, pop sertanejo... Não interessa como queira chamar, é nesse cruzamento de gêneros, que se encontram em algum ponto entre o campo e a metrópole, que está situada a música que Chal apresenta em "Aonde o tempo é solto", seu Cd de estreia. Entre Almir Sater e Bob Dylan, entre Renato Teixeira e Paul Simon, entre Bruce Springsteen e Zé Ramalho, o compositor goiano atravessa tradições cancioneiras nas dez faixas do álbum - antes, ele já havia lançado os Eps "Singing for the fools" (2009) e "Up country" (2010), ambos mais calcados no country mais ortodoxo, com letras em inglês.

Com a beleza de uma toada de Almir Sater, "Sabiá" abre o disco com a força de um auto-retrato, uma carta de intenções. "Eu tenho ânsia de correr cabresto solto/ Eu tenho fama de fazer só o que é torto/ Eu quero tempo pra entender como se faz pra caminhar", dizem versos da canção, que foi a primeira a surgir e que acabou definindo o conceito do álbum - é dela o verso "Aonde o tempo é solto", que dá nome ao disco gravado no Toca do Bandido (lendário estúdio carioca criado por Tom Capone).
- Tinha essa música, "Sabiá", feita em 2005. Quando comecei a pensar no meu disco, meu pai mandou essa gravação para Felipe Rodarte (produtor de álbuns de artistas como Ava e Érika Martins e que assina a produção de "Aonde o tempo é solto", com co-produção de Fernando Magalhães) sugerindo que era esse o tipo de música que devíamos investir. Gostei da sugestão e me lancei numa pesquisa de canções que caberiam nessa ideia.
Chal ouviu muitas músicas nesse processo, entre elas "Disparada" (Geraldo Vandré e Théo de Barros) e "Eu só peço a Deus" (gravada num dueto por Mercedes Sosa e Beth Carvalho), que acabaram entrando no disco. Ambos hinos com forte pegada social, elas ganharam leituras que conservam a elegância e o tom regional dos originais, mas com punch pop-rock. Além das duas, há apenas mais uma no disco não assinada por Chal, o country-rock "Meu velho, meu amigo", de Emiliano Sette. Importante destacar que, na seleção de repertório, Chal teve o grande auxílio de Constança Scofield, viúva de Tom Capone e responsável pela direção artística do álbum - o que implica na concepção da capa e na ordem das faixas.
A relação de Chal com o campo - exposta em versos e na naturalidade com que caminha pelas tradições musicais desse universo (e seus desdobramentos contemporâneos) - é real, como o cheiro de terra que se sente em seu disco. Desde criança ele convive com o mundo rural e hoje ele administra a fazenda de sua família - mas com a mão na massa ("Se você não sabe fazer o serviço, o trabalhador não te respeita").
Sua intimidade com o arado, o gado, o pomar está na saga do rock à la Legião-Urbana-da-fazenda "Caminho da roça", na épica "A lenda do campo" ("Uma homenagem ao trabalhador rural", que abre e fecha com o som do berrante mais rock que se pode conceber), em "São Francisco" (ode aos valores propagados pelo santo, com toques mouros no arranjo).
Em "Aonde o tempo é solto", a fazenda, seus personagens e cenários, convive com as referências do adolescente que cresceu cercado pelo grunge e que depois mergulhou no rock e na música brasileira produzida anos antes. Muitas vezes, o compositor vê pontos de contato entre as duas pontas de sua música:
- Adoro "Rooster" ("Galo"), do Alice in Chains. "Old man", do Neil Young, fala de um caseiro de fazenda. "Caminho da roça" tem algo de "The boxer", do Simon & Garfunkel - diz, antes de expor claramente sua filiação. - Estou ali na virada dos anos 1970 para os 1980, de Fagner, Zé Ramalho, Sá, Rodrix & Guarabyra..."

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