Meu boné enterrado na cabeça Roupas rasgadas por pedaços de tranqueira Meu macacão já bem velho e bem surrado Estava sempre envermelhado de sujeira Esse uniforme era da minha profissão Eu trabalhava com ele a semana inteira Eu catei lixo das favelas e mansões Aproveitei muita coisa abandonada
Porque meus dedos nas garrafas sem gargalos Tremi de frio nas medonhas madrugadas Entrei na igreja com sapatos engraxados Tirei do lixo atirado na calçada
Eu nessa lida tive uma grande surpresa Aconteceu numa noite de verão Ouvi um choro baixinho em meus ouvidos Quando eu levava uma tranqueira em minhas mãos
Eu carregava junto ao lixo uma criança Recém nascida enrolada em papelão Larguei de tudo e corri para minha casa Cheguei a tempo, a criança então salvei
No outro dia registrei como meu filho Com muito amor e carinho eu criei Dei comida, dei um teto e dei estudo Com sacrifício num doutor eu transformei
Mas algum tempo depois fui aposentado Meu uniforme de trabalho eu encostei Agora vejo um doutor de roupas brancas Pelo uniforme alaranjado agasalhei Aí está para amenizar a dor humana O grande homem que do lixo retirei