Bom dia, mulher Me beija, me abraça, me passa o café E me deseja "Boa sorte" Que seja o que Deus quiser Porque eu tô indo pro trabalho com medo da morte Nessas horas eu queria ter um carro-forte Pra poder sair de casa de cabeça erguida E não ser encontrado por uma bala perdida Querida, eu sei que você me ama Mas agora não reclama, eu tenho que ir Não se esqueça de botar as crianças debaixo da cama na hora de dormir Fica longe da janela e não abre essa porta, não importa o motivo Por favor, meu amor, eu não quero encontrar você morta se eu voltar pra casa vivo Mas se eu não voltar não precisa chorar Porque levar uma bala perdida hoje em dia é normal Bem mais comum do que morte natural Nem dá mais capa de jornal Tchau! Se eu demorar, não precisa me esperar pra jantar E pode começar a rezar Pra variar estamos em guerra Pra variar... Quem tá na chuva é pra se molhar Quem brinca com fogo pode se queimar Mas eu num quero ser mais um nas estatísticas Num quero que meu corpo vire atração turística Ensanguentado, vítima de um crime sem culpado, encaminhado prum exame de balística Todo dia morrem dois ou três Eu só quero saber quando vai ser a minha vez Onde será? No circo, na praia, no supermercado, na mesa do bar? Ou na fila do banco? No trem da central? No ponto de ônibus? Parado no sinal? Ou assistindo TV, na segurança do lar? Onde será que uma bala perdida vai me achar? Se eu pudesse escolher eu morreria dormindo sem sentir muita dor Eu sei que eu ainda sou muito novo pra morrer mas outro dia esse desejo quase se realizou: Uma bala de fuzil se perdeu num tiroteio e veio parar no meio do meu travesseiro Só não me acertou em cheio porque eu tava com prisão de ventre, no banheiro Atualmente eu já me deito esperando o pior E pra facilitar eu já durmo de paletó Meu caixão também tá pronto atrás da porta, enrolado com a bandeira do Brasil E quando eu sonho com o futuro eu acordo inseguro Escutando mais um tiro de fuzil Pra variar estamos em guerra Pra variar... Eu sou uma bala perdida, uma bala desgraçada Inofensiva, feito uma criança abandonada Eu estou sendo injustiçada Não sou culpada Se eu tô aqui é porque eu fui disparada Eu não queria entrar na arma mas o dedo foi mais forte O dedo me pôs na arma, puxou o gatilho, então porque que eu sou responsabilizada pela morte? Eu gostaria de ser uma bala de mel Feita com amor, embrulhada num papel Mas vocês me fizeram pra acabar com a vida Desde que eu nasci eu sou uma bala perdida Eu sempre fui perdida, por natureza Até num suicídio ou em legítima defesa A maioria ainda nem percebeu: Vocês tão muito mais perdidos do que eu. Pra variar estamos em guerra Pra variar...
Compositores: Gabriel Contino (Gabriel O Pensador), Roberto Zenobio Affonso de Carvalho (Roberto de Carvalho), Rita Lee Jones Carvalho (Rita Lee), George Clinton Jr ECAD: Obra #64108 Fonograma #610956