Foi voltando pela estrada de um show em Bauru era quase meia-noite e eu cansado pra xuxu ao meu lado Paulo Freire violeiro sem igual testemunha incontestável dessa história abismal
numa curva lá da serra descendo pro rio Tietê o carro desgovernou sem que eu soubesse por quê capotou 5 ou 6 vezes achei que nós ia morrer foi bater numa mangueira eu só vi manga descer
o Paulinho olhou pra mim vi que ele estava bem tocou a sua viola que soava bem também fui andando até a estrada para procurar ajuda e uma caravan parou com uma dona cabeluda
sua voz era bonita muito rouca e sensual logo me envolveu com os braços perguntou: "cê tá legal?" a noite era muito escura e não dava bem pra ver mas que ela tava gelada isso eu pude perceber
eu fiquei arrepiado bem no meio do verão seus lindos cabelos loiros não sentiam compaixão eu fiz o sinal da cruz mas aquela cortesã já estava me arrastando para a sua caravan
ainda estava atordoado pela bruta colisão inclusive preocupado se o Paulinho estava bom ela me beijou na boca "não preocupa com ele, não: vamo namorá gostoso nessa baita escuridão"
eu achei interessante ela me beijar sem dó só que os beijos que ela dava tinha gosto de jiló porém noite igual aquela não acontece todo dia 'proveitei bem o momento pra namorar a vadia
a sua pele macia fez o meu sangue subir suas pernas me enrolava feito uma sucuri fui beijar o seu pescoço ela veio me impedir "nunca olhe no meu olho" ela disse para mim
nós já estava no bembom pitando um bom cigarrinho o remorso me acordou "xi, eu esqueci do Paulinho!" o coitado lá no carro no fundo da ribanceira e eu aqui me divertindo já passou uma noite inteira
sem querer pulei pro lado qualquer coisa eu enganchei e o cabelo brilhante por acaso eu arranquei "a mulher não tem cabeça!" e voou pra a eternidade o carro sumiu também eu juro que isso é verdade
"mas que cena horripilante!" fui pensando no caminho vão dizer que eu tou maluco que é que eu falo pro Paulinho? e é então que eu vejo ele tocando seu instrumento pruma moça que dançava pulando que nem jumento
eu gritei "nossa senhora! sai de mim alma penada!" cumé que isso é possível se inda agora lá na estrada vi ela sair voando bufando descabelada com sua caravan de prata 'tropelando a madrugada
foi então que aquela cena outra vez aconteceu uma corda da viola enroscou o cabelo seu a loira saiu voando cabeça não tinha ali eu fiquei de boca aberta Paulinho também, que eu vi
nós ficamos em silêncio empurramo o carro pra estrada movimento se formando já raiava a alvorada inda sem dizer palavra fomos voltando pra casa com o coração por dentro consumindo feito brasa
num posto de gasolina na cidade de Pardinho fomos tomar um café espertar devagarinho de repente um sentimento que sobrou daquela noite foi se apresentando claro estralando feito o açoite
não tem mesmo escapatória capricho da natureza ver que o destino do homem é confrontar com a tristeza de arrastar essa saudade densa, turva, escura, espessa de querer beijar a boca de uma loira sem cabeça
Compositor: Mauricio Gallacci Pereira ECAD: Obra #1995797 Fonograma #1202160