"Na rua em que eu morava, tinham uns caras que botavam caixas (de som) em cima do muro, ou em uma parte alta do morro, e a gente jogava bola lá embaixo ouvindo funk... imagina se isso não é uma cena de filme... a gente jogava bola até as 3 da trade ouvindo aquele som ali. A gente só pode amar isso".
Esse é Mano Brown se lembrando de quando o funk e o soul entraram em sua vida. O rapper de 47 anos, completados um dia depois de nosso papo, deu para o Vagalume uma rara entrevista.
A pauta principal foi "Boogie Naipe", seu primeiro disco solo - ainda que esse não seja bem o caso como veremos - mas ele também falou sobre outros assuntos, incluindo o icônico grupo que ele fundo no final dos anos 80.
Quem acompanha a carreira de Brown, sabe que ele não gosta muito de falar com jornalistas, mas a figura de frente dos Racionais MC's acabou se mostrando uma pessoa simpática e que sabe de sua importância não só dentro do rap nacional, mas da música brasileira como um todo.
À princípio, a ideia de um disco solo de Mano Brown pode ter soado estranha para os fãs, afinal a impressão que se tinha tinha é a de que ele já tinha nos Racionais MC's o veículo perfeito para abrigar todas suas ideias musicais. Mas uma rápida escutada em "Boogie Naipe", mostra que esse não era o caso.
Um álbum mais dançante, com muitas participações especiais e letras mais descontraídas, fica claro que esse material é bem diferente de tudo já feito por ele com os Racionais.
Brown conta que nunca pensou em fazer um trabalho solo e que "Boogie Naipe" deveria ser o nome de um projeto, capitaneado por ele, mas aberto a diversas colaborações.
"Eu conversava sobre isso com o Lino (Kriss, o produtor do trabalho), com os outros companheiros de grupo. A ideia era montar uma banda, se possível com todos mascarados, numas de 'o importante é a música e não a cara de ninguém'... Mas aí, sabe como é que funciona o Brasil né? (risos) No decorrer do trabalho as pessoas só falavam em Mano Brown solo e eu não consegui emplacar esse "Boggie Naipe" como o nome da banda", fala com certa melancolia.
Ainda assim, tal revelação coloca mais sentido no trabalho, já que apesar de ter seu nome divulgado à frente, muitas vezes Brown assume papel coadjuvante dentro de seu próprio disco, abrindo espaço para que seus convidados - gente como Seu Jorge, Hyldon ou Wilson Simoninha - dividam o protagonismo.
Mas ele deixa claro que está presente em todas as faixas do disco, "em algumas eu estou mais nos bastidores, mas eu montei a estrutura das músicas, dei o tema, chamei as pessoas e montei (o resultado final). Sou eu, mas eu não estou cantando ali, é uma outra forma de fazer arte."
O material também foi composto durante um bom período. "Mulher Elétrica", por exemplo é uma das faixas mais antigas do álbum, com origens remontando a 2008, quando ele trabalhou ao lado da lendária Banda Black Rio, uma parceria que ele preza muito.
"Rolou uma troca legal, o William (Magalhães que assumiu a direção da banda depois da morte de seu pai Oberdan) veio com toda a bagagem dele de soul music e eu trouxe a coisa de São Paulo, da massa, do povão, da periferia. E eu sempre achei que o soul tem tanto a ver com a periferia quanto o rap."
Hyldon, um dos grandes nomes da época de ouro da soul music brasileira, está em "Boogie Naipe". "Uma lenda viva" diz o cantor que ainda revela que sonhou em poder contar com o outro grande nome da black music brasileira, o recluso Cassiano. "Um dia quem sabe né?", resigna-se.
O funk e o soul da década de 70 é uma paixão grande na vida do artista (vide a frase que abre esse texto). Ele se mostra obcecado especialmente com a música feita entre 1977 e 1982 - quando, nas suas palavras, "aconteceu tudo" (ele ainda revela que "Nova Jerusalém (part. Carlos Dafé, Mara Nascimento, Dado Tristão e Lino Krizz)" tem até influências de rock progressiva.
Brown também diz que acha que essa fase foi pouco ou mal explorada. "Por isso que eu digo que o disco é inspirado numa fase da humanidade, a fase em que tudo estava acontecendo, em que o mundo estava em ebulição e indo do antigo para o moderno e isso não só na música."
Ainda assim, ele deixa claro que a ideia desde o início foi o de fazer um disco que cruzasse o moderno com o antigo, e não fazer um trabalho unicamente de estilo retrô.
Brown diz que ainda acompanha com interesse tanto o rap atual feito no Brasil quanto nos EUA e que ambos estão "bons demais". É interessante notar que ele se diz muito estimulado pelas novidades e que elas o inspiram querer compor mais.
Perguntamos então se ele concorda com a ideia de que no Brasil há um respeito maior pelos pioneiros do rap quando em comparação com os EUA, e ele diz que sim, e que é algo que há tempos ele já vinha percebendo.
E o próprio Brown, solo ou com os Racionais é o maior exemplo disso, com ambos ainda fazendo shows em locais de grande porte e sendo venerados por várias gerações de artistas, sejam ou não do rap, que vieram depois deles.
Brown costuma apoiar os novos talentos e diz jamais ter se sentido ameaçado pelos artistas mais novos. "Vou ter medo dos meu filhos, cê é louco?", brinca.
Apesar do disco e dos shows solo, Brown ainda segue comprometido acima de tudo com os Racionais Mc's, um fenômeno que "até a mim me assusta". Brown sabe que é o grupo que lhe deu tudo e um muito mais do que poderia sonhar, e que a "entidade" Racionais é mais importante que qualquer um de seus integrantes - ainda que ninguém seja escravo dela, como ele diz.
Esse entendimento permite que ele, e os outro três integrantes, possam ter seus projetos particulares. Até porque no final, ele acredita, que isso também traz frutos positivos para o grupo.
Mano Brown em breve levará o projeto "Boogie Naipe" para os palcos.
Os shows acontecem em São Paulo (dia 12 de maio no Citibank Hall, ingressos aqui), Goiânia (14 de maio Bananada 2017 em Goiânia) e Rio de Janeiro (20 de maio no Circo Voador no RJ).
Esse é Mano Brown se lembrando de quando o funk e o soul entraram em sua vida. O rapper de 47 anos, completados um dia depois de nosso papo, deu para o Vagalume uma rara entrevista.
A pauta principal foi "Boogie Naipe", seu primeiro disco solo - ainda que esse não seja bem o caso como veremos - mas ele também falou sobre outros assuntos, incluindo o icônico grupo que ele fundo no final dos anos 80.
Quem acompanha a carreira de Brown, sabe que ele não gosta muito de falar com jornalistas, mas a figura de frente dos Racionais MC's acabou se mostrando uma pessoa simpática e que sabe de sua importância não só dentro do rap nacional, mas da música brasileira como um todo.
À princípio, a ideia de um disco solo de Mano Brown pode ter soado estranha para os fãs, afinal a impressão que se tinha tinha é a de que ele já tinha nos Racionais MC's o veículo perfeito para abrigar todas suas ideias musicais. Mas uma rápida escutada em "Boogie Naipe", mostra que esse não era o caso.
Um álbum mais dançante, com muitas participações especiais e letras mais descontraídas, fica claro que esse material é bem diferente de tudo já feito por ele com os Racionais.
Brown conta que nunca pensou em fazer um trabalho solo e que "Boogie Naipe" deveria ser o nome de um projeto, capitaneado por ele, mas aberto a diversas colaborações.
"Eu conversava sobre isso com o Lino (Kriss, o produtor do trabalho), com os outros companheiros de grupo. A ideia era montar uma banda, se possível com todos mascarados, numas de 'o importante é a música e não a cara de ninguém'... Mas aí, sabe como é que funciona o Brasil né? (risos) No decorrer do trabalho as pessoas só falavam em Mano Brown solo e eu não consegui emplacar esse "Boggie Naipe" como o nome da banda", fala com certa melancolia.
Ainda assim, tal revelação coloca mais sentido no trabalho, já que apesar de ter seu nome divulgado à frente, muitas vezes Brown assume papel coadjuvante dentro de seu próprio disco, abrindo espaço para que seus convidados - gente como Seu Jorge, Hyldon ou Wilson Simoninha - dividam o protagonismo.
Mas ele deixa claro que está presente em todas as faixas do disco, "em algumas eu estou mais nos bastidores, mas eu montei a estrutura das músicas, dei o tema, chamei as pessoas e montei (o resultado final). Sou eu, mas eu não estou cantando ali, é uma outra forma de fazer arte."
O material também foi composto durante um bom período. "Mulher Elétrica", por exemplo é uma das faixas mais antigas do álbum, com origens remontando a 2008, quando ele trabalhou ao lado da lendária Banda Black Rio, uma parceria que ele preza muito.
"Rolou uma troca legal, o William (Magalhães que assumiu a direção da banda depois da morte de seu pai Oberdan) veio com toda a bagagem dele de soul music e eu trouxe a coisa de São Paulo, da massa, do povão, da periferia. E eu sempre achei que o soul tem tanto a ver com a periferia quanto o rap."
Hyldon, um dos grandes nomes da época de ouro da soul music brasileira, está em "Boogie Naipe". "Uma lenda viva" diz o cantor que ainda revela que sonhou em poder contar com o outro grande nome da black music brasileira, o recluso Cassiano. "Um dia quem sabe né?", resigna-se.
O funk e o soul da década de 70 é uma paixão grande na vida do artista (vide a frase que abre esse texto). Ele se mostra obcecado especialmente com a música feita entre 1977 e 1982 - quando, nas suas palavras, "aconteceu tudo" (ele ainda revela que "Nova Jerusalém (part. Carlos Dafé, Mara Nascimento, Dado Tristão e Lino Krizz)" tem até influências de rock progressiva.
Brown também diz que acha que essa fase foi pouco ou mal explorada. "Por isso que eu digo que o disco é inspirado numa fase da humanidade, a fase em que tudo estava acontecendo, em que o mundo estava em ebulição e indo do antigo para o moderno e isso não só na música."
Ainda assim, ele deixa claro que a ideia desde o início foi o de fazer um disco que cruzasse o moderno com o antigo, e não fazer um trabalho unicamente de estilo retrô.
Brown diz que ainda acompanha com interesse tanto o rap atual feito no Brasil quanto nos EUA e que ambos estão "bons demais". É interessante notar que ele se diz muito estimulado pelas novidades e que elas o inspiram querer compor mais.
Perguntamos então se ele concorda com a ideia de que no Brasil há um respeito maior pelos pioneiros do rap quando em comparação com os EUA, e ele diz que sim, e que é algo que há tempos ele já vinha percebendo.
E o próprio Brown, solo ou com os Racionais é o maior exemplo disso, com ambos ainda fazendo shows em locais de grande porte e sendo venerados por várias gerações de artistas, sejam ou não do rap, que vieram depois deles.
Brown costuma apoiar os novos talentos e diz jamais ter se sentido ameaçado pelos artistas mais novos. "Vou ter medo dos meu filhos, cê é louco?", brinca.
Apesar do disco e dos shows solo, Brown ainda segue comprometido acima de tudo com os Racionais Mc's, um fenômeno que "até a mim me assusta". Brown sabe que é o grupo que lhe deu tudo e um muito mais do que poderia sonhar, e que a "entidade" Racionais é mais importante que qualquer um de seus integrantes - ainda que ninguém seja escravo dela, como ele diz.
Esse entendimento permite que ele, e os outro três integrantes, possam ter seus projetos particulares. Até porque no final, ele acredita, que isso também traz frutos positivos para o grupo.
Mano Brown em breve levará o projeto "Boogie Naipe" para os palcos.
Os shows acontecem em São Paulo (dia 12 de maio no Citibank Hall, ingressos aqui), Goiânia (14 de maio Bananada 2017 em Goiânia) e Rio de Janeiro (20 de maio no Circo Voador no RJ).