Entre meados dos anos 70 e toda a década de 80, Guilherme Arantes foi uma figura onipresente em rádios, trilhas de novelas e programas de televisão. Foram dezenas de hits que lhe garantiram uma carreira longa e um público fiel, mesmo depois que a fase de megassucesso passou.
O paulistano também viu o seu prestígio aumentar substancialmente entre críticos, jornalistas e músicos que, finalmente, enxergaram o óbvio: que ele é um dos maiores compositores de canções pop da história da nossa música.
No século 21, Guilherme criou um caminho particular e diferenciado para a sua carreira, ao se mudar para a Bahia, em Barra do Jacuípe, e criar o selo Coaxo do Sapo, por onde seus discos atualmente são lançados.
Sem a obrigação de escrever hits, para justificar o contrato com uma major, ele também passou a lançar álbuns cada vez mais pessoais e surpreendentes. O mais recente deles, "A Desordem dos Templários", acaba de sair e traz o artista cantando suas canções repletas de grandes melodias e prestando tributo ao rock progressivo que tanto o influenciou nos anos 70.
Desde o início do ano passado, Guilherme Arantes está morando em Ávila, na Espanha - a ideia original era passar quatro meses na cidade, mas, com a chegada da pandemia, ele estendeu a temporada e só deverá voltar para o Brasil no final do ano, ou no começo de 2022.
Foi de lá que ele bateu um papo com o Vagalume falando de seus planos atuais e relembrando histórias do passado.
Apesar de ter um disco novo para divulgar, o músico ainda não vislumbra um retorno ao país. "Não tem o que fazer, então prefiro ficar aqui". Como há o desejo de rodar alguns clipes, aproveitando a paisagem medieval, que tem tudo a ver com o projeto, o "exílio" deve se prolongar por mais alguns meses.
A ideia também é de divulgar o trabalho pela Península Ibérica, buscando assim uma penetração em solo europeu, algo que, mesmo nos anos 80, ele nunca teve. "Essa coisa de carreira na Europa veio mais com o pessoal do 'Baixo Augusta', de Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Silva ou a Céu", falando da geração de artistas que se desenvolveu artisticamente na famosa região de São Paulo e que já cresceu conectada na internet. "Eu não tive a oportunidade".
Quem acompanha o compositor nas redes sociais, deve ter visto ele postando vários clipes de bandas de heavy metal e falando de seu amor pelo som de bandas como o Iron Maiden. Quando ele revelou a capa do álbum e leu trechos das letras, houve quem pensasse que, prestes completar 70 anos, o músico havia decidido cair de cabeça no metal.
Obviamente não foi o caso, já que o disco é nas palavras dele, um trabalho muito doce. "O pessoal se animou, e a capa induziu a isso. Falavam 'deve estar pesado pra caralho', e não é isso, claro", brinca Guilherme, completando: "Só espero que não tenha sido broxante para eles".
Na sua opinião, ele acha que este poderia ser um disco feito por Elton John, Cat Stevens ou Simon and Garfunkel. Outra influência confessa é "Tubular Bells", o clássico álbum instrumental de Mike Oldfield.
"O tempo pede afeto, compaixão, sentimento mais espiritual das pessoas. Foi isso que eu tentei trazer nas letras, uma afetuosidade", resume lembrando que o disco também é o resultado direto de uma série de questionamentos que começaram antes mesmo da pandemia, quando revela que se sentia muito angustiado no começo de 2020, algo que só foi ampliado com a pandemia. "A humanidade está crispando, todos se estranhando, perdendo amizades... eu venho do flower power - o Tropicalismo, a Jovem Guarda, um respirar de uma perspectiva animadora, um cheiro de novo. E agora, a gente sente um cheiro de ranço velho e isso não é bom", conclui.
Arantes se mostra antenado com a música moderna - seja citando o novo pop brasileiro de AnaVitória ou Melim e de como considera "", de Ana Vilella, um divisor de águas na MPB ("uma canção que fala sobre você ter mais delicadeza, descobrir-se e criticando o seu ambiente interno") ou quando diz adorar bandas como Muse e que já foi ver shows do Metallica.
Ainda assim, ele se mostra nostálgico quando relembra os anos 70 e 80, quando o programa do Chacrinha abria espaço não só para ele, mas para artistas dos mais variados. "A gente tinha essa mistureba e foi perdendo essa capacidade (de estar aberto a diversos estilos musicais).
O pianista brinca ao se lembrar das rádios naquela época, pré-segmentação . "Você tinha 24 rádios em São Paulo e 22 no Rio absolutamente iguais e todas tocando Guilherme Arantes em primeiro lugar. Aí ficava fácil né?" (risos).
No fundo, a saudade é por uma época em que a música de fato mexia com as pessoas. Sua principal crítica ao que chama de "música de balada" é o fato dela não ter tanta importância e não deixar marcas no ouvinte - "não tem lugar para a reflexão, o amor, a indagação existencial..."
"O que importa é que o rola na plateia. Ela é o show e o palco é coadjuvante. Então você pode mudar a atração que não ocorre nenhuma descontinuidade."
O outro problema dessa situação, no seu modo de enxergar as coisas, é o surgimento de artistas com o ego nas alturas. Citando as grandes duplas sertanejas que tocam semanalmente para milhares e milhares de pessoas. "Esses artistas podem 'se sentir Beatles' várias vezes por semana. Eles fecham o mês falando 'eu toquei para 500 mil pessoas. Eu sou maior que o John Lennon', mas isso é fajuto porque essa música não deixa marcas nas vidas das pessoas e é porque ela só tem serventia na balada. Ela não serve para o dia a dia".
O problema desse cenário é resumido na falta de um sentimento: a delicadeza. "Lá naquele ambiente da balada é um lugar onde a delicadeza é proibida. A melancolia não tem lugar, ali é lugar de ficar alegre, de comer todo mundo, beijar muito.. e isso é chato pra caralho."
Apesar dessas críticas ele se mostra otimista, justamente por ver que há uma leva de artistas conseguindo espaço, público e sucesso financeiro apostando exatamente nessa delicadeza.
O divertido de se conversar com Guilherme é ver como a sua cabeça funciona, com muitos assuntos sendo abordados sucessivamente. A eterna comparação entre o seu trabalho e o de Elton John sendo das mais interessantes.
O cantor relembra que quando foi fazer a foto de capa de seu primeiro álbum solo, de 1976, haviam levado uma série de adereços espalhafatosos para usar, algo que ele, sabiamente como reitera, rejeitou. A ideia era óbvia: a de transformá-lo em uma versão tupiniquim do astro do pop global. "Eu disse que aquilo não era eu e mostrei a capa dos Greatest Hits do Simon and Garfunkel, com eles no Central Park, e disse que eu era daquele jeito."
O diretor da Som Livre acatou o pedido e a imagem, bem mais sóbria, foi feita. Ainda assim o logotipo de seu nome grafado em cor de rosa, foi mantido, deixando a capa um tanto esquizofrênica.
Foi esse trabalho que apresentou o músico, de fato ao Brasil, graças ao sucesso "Meu Mundo e Nada Mais", presença obrigatórias em todos os seus shows e escolhida umas das 100 melhores músicas já feitas no Brasil pela edição nacional da Rolling Stone.
Ele não nega a admiração pelo inglês, mas se vê no direito de fazer algumas ressalvas, como dizer que acha músicas como "Crocodile Rock" abaixo do padrão estabelecido pelo pianista.
Quando falamos que o próprio Elton concorda com isso, tendo dito recentemente que uma das boas coisas de poder se aposentar dos palcos seria nunca mais cantar essa música, Guilherme se diverte. "Uma vez eu disse que não gostava dessa e o pessoal caiu em cima de mim, agora posso falar que o próprio Elton também não gosta" (risos).
Como um artista que também precisa cantar determinadas músicas em todos os shows, é a hora de saber se ele tem a "sua" "Crocodile Rock". Ele diz que não, talvez "Cheia de Charme", mas que assim que começa a tocá-la e vê a reação do público ele logo volta a se reconectar com a canção.
A menção desta música leva ao tempo em que ele se tornou um ídolo popular, quando ele passa a vender muito mais discos e se tornar presença constante nos programas de auditório, a fase "cantante romântico". Ele diz ter adorado a época, ainda que se arrependa da capa do álbum "Despertar", que traz ele "sensualizando".
Fora isso, ele diz ter aproveitado muito a era de ouro da indústria e do bom relacionamento que teve na época com produtores e presidentes de gravadora.
Outra música que é obrigatória em seus shows, geralmente no encerramento, é "Lindo Balão Azul". Quem já o viu ao vivo sabe como a composição feita para um especial infantil em celebração ao centenário de Monteiro Lobato, em 1982, se mostra poderosa ao transportar o público à infância ou à infância de seus filhos.
Depois de reiterar o seu amor pela música, Arantes revela que o maestro Lincoln Olivetti lhe disse que "roubou" o arranjo dela para fazer o de "Doce Mel", que, por anos, foi usada na abertura do programa de Xuxa, na Globo. Algo que o deixou mais orgulhoso, já que ele via o arranjador morto em 2015 como um grande mestre.
Ouça "A Desordem Dos Templários":
O paulistano também viu o seu prestígio aumentar substancialmente entre críticos, jornalistas e músicos que, finalmente, enxergaram o óbvio: que ele é um dos maiores compositores de canções pop da história da nossa música.
No século 21, Guilherme criou um caminho particular e diferenciado para a sua carreira, ao se mudar para a Bahia, em Barra do Jacuípe, e criar o selo Coaxo do Sapo, por onde seus discos atualmente são lançados.
Sem a obrigação de escrever hits, para justificar o contrato com uma major, ele também passou a lançar álbuns cada vez mais pessoais e surpreendentes. O mais recente deles, "A Desordem dos Templários", acaba de sair e traz o artista cantando suas canções repletas de grandes melodias e prestando tributo ao rock progressivo que tanto o influenciou nos anos 70.
Desde o início do ano passado, Guilherme Arantes está morando em Ávila, na Espanha - a ideia original era passar quatro meses na cidade, mas, com a chegada da pandemia, ele estendeu a temporada e só deverá voltar para o Brasil no final do ano, ou no começo de 2022.
Foi de lá que ele bateu um papo com o Vagalume falando de seus planos atuais e relembrando histórias do passado.
Apesar de ter um disco novo para divulgar, o músico ainda não vislumbra um retorno ao país. "Não tem o que fazer, então prefiro ficar aqui". Como há o desejo de rodar alguns clipes, aproveitando a paisagem medieval, que tem tudo a ver com o projeto, o "exílio" deve se prolongar por mais alguns meses.
A ideia também é de divulgar o trabalho pela Península Ibérica, buscando assim uma penetração em solo europeu, algo que, mesmo nos anos 80, ele nunca teve. "Essa coisa de carreira na Europa veio mais com o pessoal do 'Baixo Augusta', de Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Silva ou a Céu", falando da geração de artistas que se desenvolveu artisticamente na famosa região de São Paulo e que já cresceu conectada na internet. "Eu não tive a oportunidade".
Quem acompanha o compositor nas redes sociais, deve ter visto ele postando vários clipes de bandas de heavy metal e falando de seu amor pelo som de bandas como o Iron Maiden. Quando ele revelou a capa do álbum e leu trechos das letras, houve quem pensasse que, prestes completar 70 anos, o músico havia decidido cair de cabeça no metal.
Obviamente não foi o caso, já que o disco é nas palavras dele, um trabalho muito doce. "O pessoal se animou, e a capa induziu a isso. Falavam 'deve estar pesado pra caralho', e não é isso, claro", brinca Guilherme, completando: "Só espero que não tenha sido broxante para eles".
Na sua opinião, ele acha que este poderia ser um disco feito por Elton John, Cat Stevens ou Simon and Garfunkel. Outra influência confessa é "Tubular Bells", o clássico álbum instrumental de Mike Oldfield.
"O tempo pede afeto, compaixão, sentimento mais espiritual das pessoas. Foi isso que eu tentei trazer nas letras, uma afetuosidade", resume lembrando que o disco também é o resultado direto de uma série de questionamentos que começaram antes mesmo da pandemia, quando revela que se sentia muito angustiado no começo de 2020, algo que só foi ampliado com a pandemia. "A humanidade está crispando, todos se estranhando, perdendo amizades... eu venho do flower power - o Tropicalismo, a Jovem Guarda, um respirar de uma perspectiva animadora, um cheiro de novo. E agora, a gente sente um cheiro de ranço velho e isso não é bom", conclui.
Arantes se mostra antenado com a música moderna - seja citando o novo pop brasileiro de AnaVitória ou Melim e de como considera "", de Ana Vilella, um divisor de águas na MPB ("uma canção que fala sobre você ter mais delicadeza, descobrir-se e criticando o seu ambiente interno") ou quando diz adorar bandas como Muse e que já foi ver shows do Metallica.
Ainda assim, ele se mostra nostálgico quando relembra os anos 70 e 80, quando o programa do Chacrinha abria espaço não só para ele, mas para artistas dos mais variados. "A gente tinha essa mistureba e foi perdendo essa capacidade (de estar aberto a diversos estilos musicais).
O pianista brinca ao se lembrar das rádios naquela época, pré-segmentação . "Você tinha 24 rádios em São Paulo e 22 no Rio absolutamente iguais e todas tocando Guilherme Arantes em primeiro lugar. Aí ficava fácil né?" (risos).
No fundo, a saudade é por uma época em que a música de fato mexia com as pessoas. Sua principal crítica ao que chama de "música de balada" é o fato dela não ter tanta importância e não deixar marcas no ouvinte - "não tem lugar para a reflexão, o amor, a indagação existencial..."
"O que importa é que o rola na plateia. Ela é o show e o palco é coadjuvante. Então você pode mudar a atração que não ocorre nenhuma descontinuidade."
O outro problema dessa situação, no seu modo de enxergar as coisas, é o surgimento de artistas com o ego nas alturas. Citando as grandes duplas sertanejas que tocam semanalmente para milhares e milhares de pessoas. "Esses artistas podem 'se sentir Beatles' várias vezes por semana. Eles fecham o mês falando 'eu toquei para 500 mil pessoas. Eu sou maior que o John Lennon', mas isso é fajuto porque essa música não deixa marcas nas vidas das pessoas e é porque ela só tem serventia na balada. Ela não serve para o dia a dia".
O problema desse cenário é resumido na falta de um sentimento: a delicadeza. "Lá naquele ambiente da balada é um lugar onde a delicadeza é proibida. A melancolia não tem lugar, ali é lugar de ficar alegre, de comer todo mundo, beijar muito.. e isso é chato pra caralho."
Apesar dessas críticas ele se mostra otimista, justamente por ver que há uma leva de artistas conseguindo espaço, público e sucesso financeiro apostando exatamente nessa delicadeza.
O divertido de se conversar com Guilherme é ver como a sua cabeça funciona, com muitos assuntos sendo abordados sucessivamente. A eterna comparação entre o seu trabalho e o de Elton John sendo das mais interessantes.
O cantor relembra que quando foi fazer a foto de capa de seu primeiro álbum solo, de 1976, haviam levado uma série de adereços espalhafatosos para usar, algo que ele, sabiamente como reitera, rejeitou. A ideia era óbvia: a de transformá-lo em uma versão tupiniquim do astro do pop global. "Eu disse que aquilo não era eu e mostrei a capa dos Greatest Hits do Simon and Garfunkel, com eles no Central Park, e disse que eu era daquele jeito."
O diretor da Som Livre acatou o pedido e a imagem, bem mais sóbria, foi feita. Ainda assim o logotipo de seu nome grafado em cor de rosa, foi mantido, deixando a capa um tanto esquizofrênica.
Foi esse trabalho que apresentou o músico, de fato ao Brasil, graças ao sucesso "Meu Mundo e Nada Mais", presença obrigatórias em todos os seus shows e escolhida umas das 100 melhores músicas já feitas no Brasil pela edição nacional da Rolling Stone.
Ele não nega a admiração pelo inglês, mas se vê no direito de fazer algumas ressalvas, como dizer que acha músicas como "Crocodile Rock" abaixo do padrão estabelecido pelo pianista.
Quando falamos que o próprio Elton concorda com isso, tendo dito recentemente que uma das boas coisas de poder se aposentar dos palcos seria nunca mais cantar essa música, Guilherme se diverte. "Uma vez eu disse que não gostava dessa e o pessoal caiu em cima de mim, agora posso falar que o próprio Elton também não gosta" (risos).
Como um artista que também precisa cantar determinadas músicas em todos os shows, é a hora de saber se ele tem a "sua" "Crocodile Rock". Ele diz que não, talvez "Cheia de Charme", mas que assim que começa a tocá-la e vê a reação do público ele logo volta a se reconectar com a canção.
A menção desta música leva ao tempo em que ele se tornou um ídolo popular, quando ele passa a vender muito mais discos e se tornar presença constante nos programas de auditório, a fase "cantante romântico". Ele diz ter adorado a época, ainda que se arrependa da capa do álbum "Despertar", que traz ele "sensualizando".
Fora isso, ele diz ter aproveitado muito a era de ouro da indústria e do bom relacionamento que teve na época com produtores e presidentes de gravadora.
Outra música que é obrigatória em seus shows, geralmente no encerramento, é "Lindo Balão Azul". Quem já o viu ao vivo sabe como a composição feita para um especial infantil em celebração ao centenário de Monteiro Lobato, em 1982, se mostra poderosa ao transportar o público à infância ou à infância de seus filhos.
Depois de reiterar o seu amor pela música, Arantes revela que o maestro Lincoln Olivetti lhe disse que "roubou" o arranjo dela para fazer o de "Doce Mel", que, por anos, foi usada na abertura do programa de Xuxa, na Globo. Algo que o deixou mais orgulhoso, já que ele via o arranjador morto em 2015 como um grande mestre.
Ouça "A Desordem Dos Templários":