Prestes a lançar seu primeiro álbum solo de músicas inéditas em quase uma década, Caetano Veloso acaba de liberar o primeiro aperitivo de "Meu Coco", que ainda não teve a sua data de lançamento anunciada. "Anjos Tronchos" é uma canção densa e que mostra que mesmo prestes a completar 80 anos, que serão celebrados em agosto do ano que vem, ele segue inovador, sem medo de experimentar e atento ao mundo que o cerca - a ponto de encerrar a canção citando Billie Eilish, em uma letra que poeticamente comenta o mundo atual dominado pela tecnologia e com os bilionários do Vale do Silício como as grandes figuras que moldam nossos destinos.

O arranjo se mostra minimalista, com a guitarra sendo o único instrumento a se ouvir. A exceção são os poucos segundos em que um triângulo transforma a levada mais roqueira em um baião, com uma citação ao seu primeiro grande sucesso, "Alegria, Alegria" (1967), ("Eu vou por que não, eu vou por que não, eu vou").
Caetano Veloso

A jovem cantora, e Finneas, são citados na estrofe final: "E enquanto nós nos perguntamos do início/Miss Eilish faz tudo no quarto com o irmão".

No Instagram, Caetano falou um pouco sobre a gênese da música disse ele: "Embora eu não conheça muito a questão da tecnologia e das suas consequências, eu fiz uma canção que parece mexer em questões muito maiores do que seu autor é capaz de dominar. Tem muitas canções que tiveram resultados políticos, na formação da cabeça de gerações, de áreas da sociedade, e que não foram feitas por uma pessoa que conhecesse teoricamente a complexidade daquele assunto. Eu terminei pensando: “Deu para fazer uma canção que pode ser como uma dessas".

Veja o clipe:



E confira a letra na íntegra:

"Anjos Tronchos":
(Caetano Veloso)

Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Desses que vivem no escuro em plena luz
Disseram: vai ser virtuoso no vício
Das telas dos azuis mais do que azuis

Agora a minha história é um denso algoritmo
Que vende venda a vendedores reais
Neurônios meus ganharam novo outro ritmo
E mais e mais e mais e mais e mais

Primavera Árabe
E logo o horror
Querer que o mundo acabe-se
Sombras do amor

Palhaços líderes brotaram macabros
No império e nos seus vastos quintais
Ao que revêm impérios já milenares
Munidos de controles totais

Anjos já mi ou bi ou trilionários
Comandam só seus mi, bi, trilhões
E nós, quando não somos otários
Ouvimos Shoenberg, Webern, Cage, canções

Ah, morena bela
Estás aqui
Sem pele, tela a tela
Estamos aí

Um post vil poderá matar
Que é que pode ser salvação?
Que nuvem, se nem espaço há
Nem tempo, nem sim nem não
Sim: nem não

Mas há poemas como jamais
Ou como algum poeta sonhou
Nos tempos em que havia tempos atrás
E eu vou, por que não?
Eu vou, por que não? Eu vou

Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Tocaram fundo o minimíssimo grão
E enquanto nós nos perguntamos do início
Miss Eilish faz tudo o quarto com o irmão