Crédito fotos: Instagram @C6fest

Em sua segunda edição, o C6 Fest manteve a ótima proposta de sua estreia, apostando em uma boa curadoria e atrações que fogem do lugar comum - além de trazer ao país lendas e novos nomes do jazz mundial que raramente dão as caras por aqui.

A aposta em artistas de apelo mais jovem, mas sem cair no lado mais mainstream do pop, também se mostrou acertada, levando um bom, e variado, público para o Parque do Ibirapuera em São Paulo neste final de semana - a edição carioca acabou suspensa.

Se do lado musical as coisas correram bem, especialmente nos shows definitivos de Soft Cell, no sábado (18), e do Pavement, ontem (19), fica claro que alguns ajustes ainda precisam ser feitos para que a experiência seja a melhor possível.

Em 2024, já houve o avanço em permitir a ciruculação do público entre os palcos, com exceção da programação de jazz realizada no Anfiteatro com ingressos vendidos em separado. Infelizmente, a grade de horários e a distância entre a Arena Metlife e a Tenda Heineken forçou o público a precisar, muitas vezes, optar entre uma ou outra atração.

Assim, quem queria ver, por exemplo, no sábado Romy e Raye, duas artistas que dialogam com um público semelhante, teve que optar por uma delas, ou ver apenas algumas músicas de cada show. No dia seguinte, algo semelhante aconteceu com Cat Power e os Young Fathers tocando simultaneamente.

A tenda se mostrou um lugar simpático, porém de tamanho inadequado para um show como o do Pavement. Resultado? Muita gente viu a banda do lado de fora e outras centenas com um trio de árvores no campo de visão.

Raye
A música, felizmente, se mostrou boa o suficiente para que mesmo com esses problemas, o C6 tenha um saldo bastante positivo. No sábado, Raye mostrou que tem boa voz, presença de palco e vive aquele momento especial na vida de um artista: quando o sucesso finalmente começa a se materializar. A cantora ainda não está totalmente formada, e isso é uma boa notícia, já que a tendência é a de que sua música, com boas doses de soul e jazz, acrescidas ao pop só se aperfeiçoe com o tempo.

Melhor ainda foi ter a chance de finalmente vermos o Soft Cell em nossos palcos - uma espera de 43 anos! Marc Almond continua com a voz intacta e o repertório foi focado no álbum de estreia, o clássico "Non-Stop Eroctic Cabaret" (1981) e outras músicas da mesma época, como "Torch" e "Memorabilia".

A dupla se desfez em 1983 e retornou brevemente no início dos anos 00, quando gravou um novo álbum. O segundo, e aparentemente definitivo, retorno aconteceu nesta década, curiosamente depois de um emotivo show de despedida na O2 Arena, em Londres. Almond e David Ball gostaram tanto da experiência que decidiram seguir juntos - o álbum "Happiness Not Included", apenas o quinto da carreira, saiu em 2022.

Soft Cell
Com dois vocalistas e um saxofonista de apoio, Ball e Almond relembraram suas canções que ainda soam subversivas, como "Seedy Films", "Sex Dwarf" e "Bedsitter".

Os monumentos "Tainted Love" e "Say Hello, Wave Goodbye", uma das grandes baladas da história do pop, ficaram logicamente para o final de um show que certamente poderia ser mais longo e já entra para a lista dos melhores do ano.

Terminada a aula de synthpop, foi preciso correr para pegar os Black Pumas com sua soul music de pegada setentista e toques de psicodelia. Ao vivo, o guitarrista Eric Burton e o Adrian Quesada contam com um grande time de músicos de apoio que trazem mais vida para as canções de seus dois álbuns.

Black Pumas


Mostrando uma presença de palco melhor do que aquela vista no Lollapalooza de 2022, Quesada se tornou um grande frontman, caindo nos braços da plateia em determinado momento e tomando conta do palco. As covers de "Sugar Man" (Rodriguez) e especialmente "Fast Car", de Tracy Chapman, essa no bis, também se destacaram.

No domingo, Cat Power mostrou uma versão encurtada do espetáculo em que recria o show da clássica turnê de 1966 de Bob Dylan - aquela em que ele subiu ao palco com os músicos que iriam se tornar a The Band e, sob vaias de parte da plateia, foi acusado de ser um traidor da música folk.

Cat Power


Originalmente, o espetáculo tem uma parte acústica, reduzida aqui a apenas duas músicas, e outras elétrica, mostrada na íntegra. Podemos discutir a exata razão para tal exercício, mas ele funciona. A banda que Chan Marshall montou é boa o bastante para fazer frente a um dos maiores grupos da história e o prazer sentido por ela, em cantar essas canções, e o público em ouvi-las, é visível.

A cantora se permite algumas liberdades com as melodias originais, mas longe do radicalismo com que o o próprio Dylan costuma tratar o seu repertório. Resumindo: uma bela homenagem.

Finalmente, o Pavement, em sua segunda visita ao país, mais de uma década depois da primeira, lavou a alma de todo fã de indie rock dos anos 90 que se preza.

Apesar do setlist, mais uma vez, diminuído em relação ao visto nos outros shows sul-americanos desta segunda turnê de retorno, Stephen Malkmus e cia. têm a sorte de contar com um público que realmente os cultua, e muito mais do que quando eles estiveram na ativa - a banda se separou depois de lançar o quinto álbum em 1999 e, hoje, é certamente mais popular do que há 30 anos.

Pavement


Em termos práticos, isso significa que eles podem praticamente pinçar qualquer música do seu repertório que ela será bem recebida. Claro que os hits alternativos, como "Summer Babe", "Cut Your Hair" e "Stereo", são as que mais efeito causam na plateia, mas o clima de cumplicidade é mantido tanto nas canções mais lentas (a balada country "Range Life" é um dos melhores momentos), quantos nos momentos mais experimentais.

Com Stephen Malkmus já tendo uma carreira solo bem mais longa e consolidada, é difícil imaginar que o Pavement volte algum dia a ser uma banda realmente em atividade, gravando novos discos e excursionando regularmente. Mas eles podem ter certeza que se resolverem fazer outra turnê como essa em um futuro próximo ou distante, nenhum fã vai reclamar.