O cantor e compositor capixaba André Prando lançou em julho o seu teceiro disco, "Iririu", depois de seis anos desde seu último trabalho de estúdio. "Voador", o álbum anterior, havia saído em 2018.

Como era de se esperar, André volta diferente em sua nova empreitada musical. "Este disco marca uma mudança estética e conceitual no meu trabalho, resultado de um André mais maduro. Quis abrasileirar mais, explorar ritmos diferentes e aproximar a minha música de quem eu sou".

"Iririu" é uma parceria do cantor na produção musical com Rodolfo Simor. No total, são 11 faixas que passeiam por diferentes gêneros musicais, como reggae, baião, tango, pop, blues, congo e rock.

André Prando participa de um faixa a faixa especial aqui no Vagalume e dá detalhes sobre cada música que compõe o seu mais novo trabalho de estúdio.

Confira abaixo:

"Iririu"

Compor algo que falasse sobre a palavra “Iririu” foi um desejo que carreguei e amadureci por muito tempo. A época em que conheci a palavra (na universidade) foi um período de grandes descobertas, aberturas, viagens e conexões em minha vida. Sempre achei muito forte saber que é uma palavra de origem capixaba.

Nessa composição, quis contar um pouco dessa história, homenagear aqueles que criaram e ajudaram a espalhar a expressão. Como primeiro single e como primeira música do álbum, eu quis que “Iririu” já chegasse representando novidade e abertura, é um convite à uma profunda e boa viagem que vem pela frente com o álbum.

"Zum zum zum"

Contar com a participação de uma artista tão poderosa e que sou realmente fã como Juliana Linhares é uma experiência emocionante. Sinto que conseguimos fazer algo em total sintonia! É bonito quando é sincero assim, as pessoas sentem. “Zum zum zum” é um forró animado com uma letra que fala de uma paixão avassaladora - dessas que desconcentra a gente - também fala sobre lidar com a distância e vai se desenvolvendo com reflexões espirituais e existenciais.

"Kaluanã, o Grande Guerreiro"

Escrevi “Kaluanã, o grande guerreiro” inspirado no filho de um casal de amigos, Marcinho e Esplendor, que moram no Caparaó, uma região de montanhas do Espírito Santo que me inspira e energiza muito. Eles tem a mágica hospedaria “Aldeia Alegria”, onde costumo ficar hospedado. Kaluanã, que em tupi guarani significa “o grande guerreiro”, tem 3 anos e em uma das minhas estadias por lá eu vi ele dando os primeiros passos, falando as primeiras palavras. Comecei a compor lá mesmo uma canção com reflexões sobre a natureza, sobre a noção de unidade energética e vital no planeta. Lembro que, além de estar inspirado pelo Caparaó em si, me senti bem inspirado por textos do escritor Ailton Krenak que estava lendo.

Numa segunda etapa, já de volta pra casa, incrementei na composição uma vontade que eu tinha de escrever algo dedicado à um filho e, como não tenho filho, pensei em escrever homenageando a família de amigos, como observador, mas me inserindo na família, que é como eles, com muito carinho, me fazem sentir. Assim, Kalu (seu apelido) se tornou o personagem central. Na música, falo da jornada de aprendizados da infância e em seguida do processo eterno de aprendizados na vida adulta também, sempre fazendo paralelos com elementos da natureza.

Numa última etapa, quando já achava que a música estava finalizada, fui surpreendido durante uma viagem que fiz sozinho pela Argentina e Uruguai em 2023. Fui visitar o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, onde sabia que tinha obras brasileiras originais lendárias, como o Abaporu. Nessa época, já estava sentindo e tentando internalizar uma noção de espírito latino mais presente em minha vida e, consequentemente, querendo levar isso pro meu novo álbum que já estava no processo. Do lado do Abaporu estava exposto o Manifesto Antropófago, escrito por Oswald de Andrade. O texto, que instiga o Brasil a valorizar a própria cultura e desenvolver uma identidade própria, usa o símbolo da antropofagia, no sentido do homem se alimentar do próprio homem, ideologicamente e culturalmente. Isso porque, na época, era muito comum o Brasil se basear nos modelos europeus de literatura, arte, cultura… fruto do colonialismo. Uma das famosas frases é “Tupi or not tupi? That's the question”. Já conhecia e sempre achei uma sacada genial, mas naquele momento eu pensei imediatamente no tupi da minha composição, Kaluanã, e sua eterna jornada de aprendizado a partir das próprias experiências, o homem ensinando o homem, a desenvolver uma identidade própria em meio à vida das montanhas. Assim, fez muito sentido pra mim inserir um momento final na composição citando essa frase e amarrando essa minha experiência pela estrada com “Kaluanã, o grande guerreiro”. Um e todos numa só voz.

"O Lapidário de Pedras no Caminho"

Uma das inspirações para essa letra foi o trabalho de uma amiga que faz acessórios com pedras de diferentes tipos, eu costumava usar vários colares dela. Então, tive essa viagem de falar sobre as “pedras no caminho” - que são dificuldades, obstáculos, dores - que, simbolicamente, podemos lapidar e transformar em pedras preciosas, superações e ressignificar a ponto de transformá-las em jóias que dão orgulho de serem exibidas.

"Frágil"

O produtor do disco, Rodolfo, disse que “Frágil” é uma das “clássicas baladas prandísticas”. Ele já produziu outros trabalhos meus e sabe que sempre tem um lugar pra uma balada assim nos meus projetos. Essa música tem um clima bem introspectivo, de pianos e orquestração. É uma música que fala sobre o poder que existe em reconhecer a nossa fragilidade. Particularmente, compus na época do fim de um casamento. Um momento assim de recomeço mesmo, de muita fragilidade e dor. Necessidade de análise, processamento e, claro, recomeço. Naturalmente, como sempre, escrevi de forma que as interpretações pudessem ser infinitas. São muitas as circunstâncias em que nos sentimos perdidos, percebendo a necessidade de mudar a rota, de repensar, de recomeçar. Nada é constante, não tem jogo ganho, a vida é uma aventura, frágil… como uma bomba.

"Amorteconsidero"

A história dela é um pouco longa, mas vou tentar ser breve.

Eu tinha uma outra música, totalmente diferente, que falava sobre vida e morte, recomeços em vida, ciclos, e coloquei esse título nela, porém, a música não estava traduzindo a ideia que pensei quando criei esse título. O conceito é a gente considerar o amor o tempo todo, para viver uma vida mais presente, mais amorosa, valorizando cada pequeno momento, cada detalhe. E, ao mesmo tempo, a necessidade de considerar a morte o tempo todo, afinal de contas, a morte é iminente, pode acontecer a qualquer momento, por qualquer motivo inesperado. Então, é preciso considerar o amor e a morte o tempo todo e assim, viver de forma mais presente.

E essa música que eu tinha, não falava muito sobre isso, só usei o título, mas não achava que traduzia bem e acabei tirando do disco. Nessa época, perdi um amigo que era muito novo e saudável, um cara querido por todos. Ele teve um mal súbito. E aí fui me lembrando de outros amigos que faleceram, fui lembrando de suas vidas, suas histórias. Comecei a escrever sobre e me lembrei desse título e veio com a ideia de um mantra em homenagem às pessoas que se foram. Um belo dia acordei e fui na varanda e imaginei um bloco de congo passando na rua tocando e cantando. Como um cortejo fúnebre celebrativo e lembrei do “Dia de los muertos”, festa da cultura mexicana.

"Voltinha de Bike"

Seguindo a saga, depois desse momento introspectivo do cortejo passando, a ideia é espairecer. Sou uma pessoa que tem a bicicleta como meio de transporte principal, ando de bike diariamente e sempre quis escrever uma música que falasse sobre essa experiência.

Ao mesmo tempo que ela fala da bicicleta como transporte, ela o tempo todo está falando também da bike, o LSD. Quando Albert Hoffman, o cientista que criou o LSD, fez os primeiros experimentos, ele experimentou uma super dosagem e foi para casa de bicicleta. Nessa experiência, ele teve uma grande viagem psicodélica. Isso foi em 19/04/1943, às 16:20h, e ficou conhecido mundialmente como o Dia da Bicicleta.

Posteriormente, criaram o LSD chamado Bike, em homenagem à história do Hoffman. Escrevi essa música que tem esse duplo sentido o tempo todo. Ela é um afrobeat, bem inspirado na onda Fela Kuti. Uma psicodelia divertida e profunda.

"Patuá"

Essa é uma composição em parceria com o querido amigo que sou fã, Luiz Gabriel Lopes (também conhecido como LUIZGA, que era da banda Graveola e também do Rosa Neon).

“Patuá” é uma música que fala da vida na estrada, bem cigana, fala da vivência do cantautor, do quanto que a gente aprende com a estrada, com as vivências, uma coisa nômade. Quando comecei a trabalhar nos arranjos dela, quis fazer um tango, por impulso musical mesmo, achei que a vibe dela tinha a ver e fiquei com isso na cabeça. Daí fiz uma viagem para a Argentina, no carnaval de 2023, e tive contato direto com o tango pela primeira vez lá, então isso me inspirou muito.

Essa é uma música que traz esse clima latino, de viagem, de estrada. Ao mesmo tempo que a letra é expansiva, é bem introspectiva e traz boas reflexões existenciais. É uma canção basicamente em homenagem ao artista, a vida do artista, mas cabe em várias outras circunstâncias também, tantos outros cenários que também se incluem nessa coisa da estrada, reflexões sobre o lar. É como se a própria música fosse um amuleto, representando uma oração fortalecedora, por isso o título.

"Nuvem Passageira"

No final de “Patuá”, começo a citar a música seguinte do disco, que é “Nuvem passageira”. As letras são conectadas no mesmo tom. Essa é a única releitura do disco, a composição é de Hermes Aquino. É um clássico dos anos de 1970 que fala com profundidade sobre a efemeridade da vida e esse é um tema muito presente no álbum.

Essa versão tem a participação de Chico Chico, querido amigo também, grande artista que aprecio muito e temos muitas referências em comum. Para fazer essa versão, trouxe um arranjo baseado nos clássicos gospel blues de Elvis Presley. Gravei um arranjo de vozes bem complexo, simulando um coral. Eu e Chico cantamos bem em dueto mesmo, dividindo vozes, abrindo vozes um para o outro. A performance foi bem visceral.

Falando da produção musical dela, a gente fez um lance no arranjo que a cada estrofe mudamos o tom e sutilmente o andamento da música, fazendo uma alusão a letra, pensando nas nuvens, na onda do mar, em movimento constante de transformação. Então o arranjo também vai se transformando, começa só com piano e vozes, e aos poucos vai ganhando mais camadas, mais intensidade, com um fim apoteótico.

"Dharma"

“Dharma”, assim como o “Patuá”, também é uma composição minha em parceria com o LUIZGA. É uma música de destaque no disco e na minha vida. O arranjo, além da banda base, conta com quarteto de cordas, cítara, shruti box, um coro enorme formado por outros artistas da cena de Vitória, amizades, minha mãe… é um coro forte e afetivo. Assim como o conceito hindu por trás de “Dharma”, o arranjo também tem doses de elementos da música oriental, tendo George Harrison como uma referência. Tem muita gente envolvida e é bonito como ela soa isso, o final apoteótico me arrepia toda vez. Uma música que fala bastante sobre amizade, aprendizados, reflexões, questões filosóficas. É um dos pontos fortes do disco. É difícil dizer isso, mas talvez seja minha música favorita.

"Muita Coisa"

É uma música que fala sobre algo grandioso que acabou de acontecer, nesse caso, me refiro ao álbum. Foi uma grande viagem que a pessoa acabou de vivenciar e ela pensa “Nossa, muita coisa pra digerir, vou precisar de um tempo só pra mim…”. Assim o disco se encerra, precisando de um tempo pra refletir, precisando de um tempo pra sentir e processar tudo que foi vivido.

Quando compus, foi a partir de duas experiências: uma de ter assistido o último show de Milton Nascimento, no Mineirão, o de despedida dos palcos. Estava com um grupo de amigos e lembro que assistimos o show inteiro cantando, mas sem comentários, cada um vivendo intensamente aquele momento único. A gente estava vivendo uma experiência muito íntima e coletiva simultaneamente. E, quando terminou o show, nos abraçamos e todo mundo estava chorando, lembro de ler no rosto dos amigos uma expressão de “uau… muita coisa!”, ninguém sabia dizer muito bem o que tinha acabado de acontecer, mas todo mundo estava sentindo muita coisa.

Uma outra experiência foi um ritual com uso de cogumelos com um terapeuta que frequentei há um tempo e por um tempo. Eram sessões muito poderosas, muito profundas e curativas. Também tive experiências com a Ayahuasca com ele. Lembro que saí de um desses rituais com cogumelo com essa sensação também de “muita coisa”.

Então, juntei essas duas experiências e escrevi essa música, já fazendo a ligação com essa outra experiência que foi a produção do disco. Foi a última música do álbum que escrevi, justamente pensando no encerramento. É isso, tudo isso e muito mais.

Ouça "Iririu" a seguir: