Lá vai a nau catrineta que tem tudo por contar Ouvi só mais uma história que vos vai fazer pasmar Eram mil e doze a bordo nas contas do escrivão Sem contar os galináceos sete patos e um cão
Era lista mui sortida de fidalgos passageiros Desde mulheres de má vida a padres e mesteireiros Iam todos tão airosos com seus farneis e merendas Mais parecia um piquenique do que a carreira das indias
Ao passarem cabo verde o mar deu em encrespar Logo viram ao que vinham quando a nau deu em bailar Veio a cresta do equador e o cabo da boa esperança Onde o velho adamastor subiu o ritmo da dança
Foi tamanha a danação foi puxado o bailarico Quem sanfonava a canção era a mão do mafarrico Tinha morrido o piloto e em febre o capitão ardia Encantada pela corrente para sul a nau se perdia
Subia a conta dos dias ficavam podres os dentes Eram tantas as sangrias morriam da cura os doentes E o cheiro era tão mau e a fé tão vacilante Parecia que a pobre nau era o inferno de dante
Com o leme sem governo e a derrota já perdida Fizeram auto de fé com as mulheres de má vida E foram tirando à sorte quem havia de morrer Para que o vizinho do lado tivesse o que comer
No céu três meninas loiras cantavam um cantochão Todas vestidas de tule para levar o capitão No meio do seu delírio mostrou a raça de bravo Teve ainda força na língua para as mandar ao diabo
Neste martírio sem fim ficou o lenho a boiar Até que um vento gelado a terra firme o fez varar Que diria o escrivão se pudesse escrevinhar Eram mil e doze a bordo e doze haviam de chegar
Ao grande país do gelo com mil cristais a brilhar Onde a paz era tão branca só se quiseram deitar Naqueles lençois de linho a plumas acolchoados E lá dormiram para sempre como meninos cansados
Compositores: Carlos Alberto Gomes Monteiro (Te Carlos), Rui Manuel Gaudencio Veloso (Rui Veloso) ECAD: Obra #7192144