Pedro, Meu Filho
Como eu nunca lutei para deixar-te nada alĂ©m do amanhĂŁ indispensĂĄvel: um quintal de terra verde onde corra, quem sabe, um cĂłrrego pensativo; e nessa terra, um teto simples onde possas ocultar a terrĂvel herança que te deixou teu pai apaixonado - a insensatez de um coração constantemente apaixonado.
E porque te fiz com o meu sĂȘmen homem entre os homens, e te quisera para sempre escravo do dever de zelar por esse alqueire, nĂŁo porque seja meu, mas porque foi plantado com os frutos da minha mais dolorosa poesia.
Da mesma forma que eu, muitas noite, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lågrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a tua.
E porque vivemos tanto tempo juntos e tanto tempo separados, e o que o convĂvio criou nunca a ausĂȘncia pĂŽde destruir.
Assim como eu creio em ti porque nasceste do amor e cresceste no Ăąmago de mim como uma ĂĄrvore dentro de outra, e te alimentaste de minhas vĂsceras, e ao te fazeres homem rompeste meu alburno e estiraste os braços para um futuro em que acreditei acima de tudo.
E sendo que reconheço nos teus pés os pés do menino que eu fui um dia, em frente ao mar; e na aspereza de tuas plantas as grandes pedras que grimpei e os altos troncos que subi; em tuas palmas as queimaduras do Infinito que procurei como um louco tocar.
Porque tua barba vem da minha barba, e o teu sexo do meu sexo, e hĂĄ em ti a semente da morte criada por minha vida.
E minha vida, mais que ser um templo, é uma caverna interminåvel, em cujo recesso esconde-se um tesouro que me foi legado por meu pai, mas cujo esconderijo eu nunca encontrei, e cuja descoberta ora te peço.
Como as amplas estradas da mocidade se transformaram nestas estreitas veredas da madureza, e o Sol que se pÔe atrås de mim alonga a minha sombra como uma seta em direção ao tenebroso Norte.
E a Morte me espera em algum lugar oculta, e eu nĂŁo quero ter medo de ir ao seu inesperado encontro.
Por isso que eu chorei tantas lågrimas para que não precisasse chorar, sem saber que criava um mar de pranto em cujos vórtices te haverias também de perder.
E amordacei minha boca para que não gritasses e ceguei meus olhos para que não visses; e quanto mais amordaçado, mais gritavas; e quanto mais cego, mais vias.
Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem remissão, sem sequer pedir perdão a todas as mulheres que por ela abandonei.
E assim como sei que toda a minha vida foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar:
Assim Ă© o canto que te quero cantar, Pedro meu filho...
Compositor: Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes (Vinicius de Moraes)
ECAD: Obra #127971 Fonograma #16081697Ouça estaçÔes relacionadas a Vinicius de Moraes no Vagalume.FM