Lágrimas de Sangue
1997, MARÇO, DIADEMA O MUNICÍPIO;
UMA CÂMERA, UMA FITA DE VÍDEO;
MOSTRA PRO MUNDO SANGUE, IGNORÂNCIA;
ANIMAIS COM DISTINTIVOS;
NÃO ENTENDI A SURPRESA;
INFELIZMENTE ERA SÓ UM OUTRO DIA COMUM;
DIA DE ENTERRO, VELÓRIO;
DIA EM QUE A POLÍCIA MATOU MAIS UM;
NÃO ENTENDI A MÍDIA;
NEM OS POLÍTICOS IMUNDOS;
NEM A FALSA INÚTIL INDIGNAÇÃO;
AFINAL ERA A POLÍCIA DELES, FAZENDO A LEI DELES;
FAZENDO O QUE ELES QUEREM ENTERRANDO NOSSO CAIXÃO;
TODA NOITE EM SÃO PAULO O SANGUE ESCORRE;
GOVERNADOR O CÚMPLICE NÚMERO UM;
PEDE DESCULPAS NA TV, QUE PIADA;
TEM UM CAIXÃO SENDO ENTERRADO;
E UMA FAMÍLIA CHORANDO A MORTE;
O PRESIDENTE DÁ O TOM DA HIPOCRISIA;
FELIZMENTE NA PM SÃO A MINORIA;
NÃO SÃO APENAS DEZ ANIMAIS DESSA MALDITA CORPORAÇÃO;
MILHARES DE ASSASSINATOS PASSOU BATIDO NOITE E DIA;
POR QUE NÃO CHEGAM NA TELEVISÃO;
TENHO VÁRIOS EXEMPLOS, VI VÁRIOS ENTERROS;
EU MESMO FUI ATROPELADO MANO;
EU MESMO JÁ FIZ ACERTO;
EU VI MALUCO INCRIMINADO, CRIME FORJADO;
PETECA NO BOLSO E O TAMBOR DESCARREGADO;
E OUTRO FINADO;
SE NÃO EXISTE A PENA DE MORTE NO BRASIL;
POR QUE A PM MATA TANTO;
PRINCIPALMENTE A ROTA, PUTA QUE O PARIU;
CPI DO CRIME ORGANIZADO ATÉ MUDANÇA DE LEI NA LEGISLAÇÃO;
TORTURA DE VINTE E UM ANOS MORAL OU FÍSICA, CADEIA PRA AGRESSÃO;
SEJA BEM VINDO AO ESPETÁCULO DA CONTRADIÇÃO;
TORTURA SEMPRE FOI CRIME HEDIONDO NA CONSTITUIÇÃO;
E, NO ENTANTO, A POLÍCIA SEMPRE MATOU;
SEMPRE TORTUROU, SEMPRE MANDOU PRO CAIXÃO;
O PROJETO DE LEI É DE 94;
DE LÁ PRA CÁ QUANTOS FINADOS, MILHARES DE ENTERRADOS;
E SÓ AGORA PRA MOSTRAR A ATITUDE PRA MÍDIA;
DEMAGOGIA, O PROJETO FOI APROVADO NO SENADO;
É TÃO COMUM Á TANTO TEMPO UM CADÁVER NA RUA SE DECOMPONDO;
É TÃO COMUM Á TANTO TEMPO;
UMA FAMÍLIA CHORANDO POR UM OUTRO FULANO MORTO;
CONFIAR EM QUEM, PEDIR APOIO PRA QUEM ENTÃO;
SE QUEM É PAGO PRA NOS PROTEGER;
TODA NOITE NA NOSSA GENTE DESCARREGA O OITÃO;
MAS QUE PORRA DE POLÍCIA É ESSA QUE NÃO PROTEGE;
PRETO, BRANCO, POBRE, FAVELADO;
QUE TODO O JOVEM DA PERIFERIA É SUSPEITO;
CANDIDATO Á FINADO;
EU JÁ TO CHEIO DE ENTERRO, VELÓRIO;
CADÁVER CERCADO DE VELAS;
INFELIZMENTE A PAZ É SÓ EMBAIXO DA TERRA;
NÃO QUERO A MINHA MULHER COM MINHA FILHA DO COLO;
CHORANDO LÁGRIMAS DE SANGUE ME ENTERRANDO;
SINTO MUITO POR TODAS AS VÍTIMAS, TODAS AS FAMÍLIAS;
POR TODAS AS LÁGRIMAS DE MORTE ARRANCADAS PELA MALDITA POLÍCIA.
A LÁGRIMA QUE ROLA DO TEU OLHAR;
É TÃO TRISTE QUANTO A MORTE;
TEM O CHEIRO E A COR DO SANGUE;
LÁGRIMAS DE SANGUE;
“VIATURAS SE APROXIMAM COMEÇA O DESESPERO”;
LÁGRIMAS DE SANGUE;
“SERÁ QUE É MINHA HORA, EU VOU SOBRA, FICAR INTEIRO”.
CHEGA DE LEI DO SILÊNCIO;
VAMOS DENUNCIAR ESSES FILHOS DA PUTA;
GAMBÉ NÃO VAI PRA CADEIA, NÃO PERDE A FARDA;
AINDA TE MATA NA SEQÜÊNCIA NA RUA;
AQUI SE MATA A VÍTIMA, SE MATA A TESTEMUNHA;
QUEIMA DE ARQUIVO;
TESTEMUNHAR É DAR VISTO EM ATESTADO DE ÓBITO;
É BANCAR O PRÓPRIO HOMICÍDIO;
QUEM ME PROTEGE DENTRO DE UM BARRACO DE MADEIRA OU PAPELÃO;
SOZINHO NA NOITE CONTRA VÁRIOS PMS;
CONTRA DOR DE PT, CONTRA OITÃO;
OUVIDOR PÚBLICO TE PERGUNTO ATÉ AONDE QUE ISSO AJUDA;
NO PAÍS DA INJUSTIÇA O QUANTO VALE A DENÚNCIA;
DEPOIS DA TORTURA EU TO VENDO MEU SANGUE, OS MEUS OSSOS QUEBRADOS;
SÓ QUE AINDA EU ESTOU VIVO;
NÃO ME ENTERRARAM AGORA, NÃO VOU CORRER MAIS RISCOS;
NÃO VOU DAR MOTIVO;
TALVEZ ESTEJA ATÉ ERRADA A MINHA OPÇÃO;
SÓ QUE A LEI DO SILÊNCIO É CONSEQÜÊNCIA DA FALTA DE PROTEÇÃO;
EVITA CAIXÃO;
SE EXISTISSE UMA CÂMERA FILMANDO PERTO DE TODAS AS TÁTICOS;
NÃO SERIAM SÓ DEZ OS ANIMAIS FLAGRADOS;
A CADA, CADA NOITE O MESMO INFERNO;
MÃO NA CABEÇA, ENCOSTA AÍ, RA-TA-TA-TÁ CEMITÉRIO;
NÃO É O SALÁRIO QUE TRANSFORMA UM PM EM CRIMINOSO;
É O BRASIL HIPÓCRITA QUE NO FUNDO ESTÁ DO LADO DELES;
E BATEM PALMAS QUANDO MATAM POBRES;
QUE VIBRAM NO IML QUANDO CHEGA O CORPO;
SERÁ QUE É ISSO QUE É JUSTIÇA;
SERÁ QUE VAMOS ENTERRAR POBRES MAIS DOIS ANOS;
PRA QUE TIRE OS BENEFÍCIOS, AS LEGARIAS DA POLÍCIA;
E QUANDO A MÍDIA NOS ABANDONAR VOLTA TUDO DE NOVO;
INFELIZMENTE PRA NÓS NÃO É DO PRESIDENTE;
E NEM DO GOVERNADOR O PRÓXIMO CORPO;
QUERIA VER A CARA DELES NUM CAIXÃO;
COM UMA FAMÍLIA CHORANDO DO LADO;
COM UM GAMBÉ SORRINDO, SOPRANDO UM OITÃO;
ESSE AQUI É O BRASIL CONTAGEM REGRESSIVA;
EU ESTOU VIVO ATÉ UMA TÁTICO ATROPELAR A MINHA VIDA;
DIADEMA NÃO É MAIS DO QUE UM EXEMPLO;
DO QUE ACONTECE NA ZONA SUL, LESTE, NORTE, OESTE, NO CENTRO;
A DIFERENÇA É QUE LÁ O COTIDIANO FOI FILMADO;
SÓ DOS FINADOS QUE EU JÁ VI NA MINHA VIDA;
DOS QUE EU CONTEI DARIA UMA LONGA METRAGEM DE MANO ENTERRADO;
FAÇA UM ROLE NAS PERIFERIAS, NAS FAVELAS, NOS CORTIÇOS;
VERÁ QUE O NEGRO TEM NOME DE POLÍCIA, HOMICÍDIO;
A MINHA GENTE TEM POUCA INFORMAÇÃO, MAS TEM MEMÓRIA;
NINGUÉM ESQUECE UM TAPA NA CARA;
UM TIRO NA CABEÇA, UM CAIXÃO DESCENDO NAS CORDAS;
NÃO QUERO MINHA MULHER COM MINHA FILHA NO COLO CHORANDO;
LÁGRIMAS DE SANGUE, ME ENTERRANDO;
SINTO MUITO POR TODAS AS VÍTIMAS, TODAS AS FAMÍLIAS;
POR TODAS LÁGRIMAS DE MORTE ARRANCADAS PELA MALDITA POLÍCIA.
A LÁGRIMA QUE ROLA DO TEU OLHAR;
É TÃO TRISTE QUANTO A MORTE;
TEM O CHEIRO E A COR DO SANGUE;
LÁGRIMAS DE SANGUE;
“VIATURAS SE APROXIMAM COMEÇA O DESESPERO”;
LÁGRIMAS DE SANGUE;
“SERÁ QUE É MINHA HORA, EU VOU SOBRA, FICAR INTEIRO”.
Compositores: Carlos Eduardo Taddeo (Eduardo), Washington Roberto Santana (Dumdum), Erick Cohen (Erick 12)
ECAD: Obra #585866 Fonograma #50978367