A sexta edição do Festival Calango aconteceu durante os dias 8,9 e 10 em Cuiabá, no Mato Grosso. Juntando mais de 40 bandas e artistas, além de eventos paralelos que incluíram workshops e espaço para artes cênicas, tatuadores, escritores e moda.
Todos acreditando na proposta desenvolvida pelo Espaço Cubo, que organiza a coisa toda. Foram eles os criadores do Cubo Card a "moeda" paralela que circula entre as bandas e pessoal que trabalha nos bastidores aceita por boa parte do comércio local (e em todas as barraquinhas montadas dentro da arena do festival). O mais surpreendente é ver que essa troca de serviços funciona, por incrível que pareça. Claro que os patrocínios oficiais é que permitiram que toda a estrutura fosse montada e pode-se até discutir se festivais assim merecem ou não receber verba oficial. Mas quem estava lá pôde ver que pelo menos o dinheiro foi devidamente investido em uma estrutura profissional, com som decente, cachês em dinheiro "de verdade" e passagens aéreas para jornalistas e bandas de outros estados. E verdade seja dita, ninguém agüenta mais coisa mambembe ou mal-feita. Logo se a cena independente sonha em se profissionalizar e ser de fato uma alternativa viável para todos os envolvidos, parcerias com a iniciativa pública e/ou privada são fundamentais.

Público e estrutura

Se o Calango tem um problema ele talvez esteja na megalomania. 15 shows ininterruptos por noite intercalados em dois palcos é coisa só para os mais bravos. Logo era normal ver em vários momentos a platéia dispersa e as bandas obrigadas a fazer mais papel de fundo sonoro.
O local escolhido para o festival, o Centro de Convenções Pantanal é enorme, o que deixou bastante espaço para que todos pudessem circular sem empurra-empurra ou claustrofobia mesmo com a média de 3 mil pessoas por noite.
A platéia é um caso a parte também. Diferentemente de shows nos grandes centros onde o que se vê é cada vez mais uma homogeinização, em Cuiabá você encontra motociclistas, sósias de Raul Seixas, a molecada emo com rímel nos olhos e os tradicionais usuários de camisas do Iron Maiden ou Ramones convivendo em harmonia. Mas também pode-se encontrar pais com filhos - que curtiam mais ficar jogando Guitar-hero - e um verdadeiro exército de garotas aparentando não mais que 16 anos fantasiadas de Amy Winehouse. Isso tudo e mais um garoto com máscara de Slipknot.

Destaques

Como já é tradição em eventos desse tipo, a escalação costuma misturar heróis e novos-talentos locais (alguns nem tão talentosos assim, que entram mais para cumprir uma certa função social do festival) com uma pequena amostra do que anda rolando nos subterrâneos (e também na superfície) do país.
O primeiro dia teve jazz com Ebinho Cardoso (acompanhado pelo ultra-renomado baixista Celso Pixinga), novo rock com o Sweet Fanny Adams (que apesar do nome não tem muito de Sweet ou Gary Glitter), o hip-hop do Mamelo Sound System, hardcore com os veteranos santistas do Garage Fuzz além é claro dos goianos do MQN, presença certa em 99,9% dos festivais independentes brasileiros.
Entre todos, quem se saiu melhor foi o Jumbo Elektro com seu som simultaneamente estranho e pop, de forte apelo visual e ótimas melodias.
O Pata de Elefante também mandou um set instrumental de ótima qualidade e muitas referências ao Cream, Jimi Hendrix e outras bandas do lado mais barulhento e cru dos anos 60.
Os franceses do Papier Tigre, com a bateria alinhada aos outros músicos, surpreendeu com seu som quebrado, entre a no-wave e o pós-hardcore ainda que não seja para todos os gostos.
No sábado o Hey Hey Hey foi uma boa surpresa fazendo um rock simples e seguro com eventuais influências de Super Furry Animals. Os Dead Lovers Twisted Heart apesar do nome enjoado e de um ou outro country-rock que por vezes beira a paródia, também mostraram que seu som a la Violent Femmes (mas que também pode lembrar o Television e mesmo a Gang of Four em momentos mais suingados) tem tudo para vingar ao menos dentro do cenário independente.
Ainda nessa mesma noite os Cuiabanos puderam dançar e se divertir com o inclassificável Do Amor. Formado por veteranos da cena carioca (incluindo dois membros da atual banda roqueira de Caetano) o grupo não se prende a estilo algum indo da lambada ao indie rock com passeios pelo carimbó ou pela música de trio elétrico, além de ter humor o bastante para bizarrices como "Dar uma Banda" (com vocal propositadamente fora do tempo) e de homenagens como a de "Pepeu baixou Em mim".
Os argentinos do El Mato a un policia Motorizado fez parecer que estávamos em 1991 com suas influências de Ride e Sonic Youth.
O Macaco Bong, banda símbolo de tudo o que representa o Calango e o Espaço Cubo, mostrou seu som instrumental de técnica impecável e grande criatividade. Tocaram mais que a meia hora estipulada para todos e saíram devidamente ovacionados, especialmente o guitarrista Kayapi que em breve deve estar freqüentando as listas de heróis do instrumento no Brasil.
Antes deles tocou o Cérebro Eletrônico. Apesar de formada praticamente pelos mesmos membros do Jumbo Elektro, as bandas são bem diferentes. No Cérebro há uma queda pelo tropicalismo (especialmente Caetano, o que mostra que o bode que o povo indie nutria por ele está sumindo) e Sérgio Sampaio que é nominalmente citado em algumas letras.
Com grande presença de palco e carisma, eles são fortes concorrentes a ocupar o lugar que anda vago desde o fim do Los Hermanos (não a toa eles também curtem enfeitar o palco com serpentinas e colocaram a foto do quarteto no CD recém-lançado).
Vale também uma nota ao Lopes. Não que o som deles seja essa maravilha toda, basicamente um hard rock sem maiores supresas, mas em todo o festival poucos grupos foram tão aplaudidos, o que mostra que ao menso no estado eles devem ter um grupo fiel de seguidores (incluindo um garoto que passeava com uma camisa autografada pelo prórpio Lopes - sim a banda leva o nome do seu líder como o Van Halen ou Bon Jovi).
O domingo foi sensivelmente mais fraco com algumas bandas prejudicadas pelo som embolado, caso do Supercordas, e com algumas promessas não cumprindo tudo o que se esperava deles, o Curumin, para alguns o nome para ficar de olho dentro da nova geração.
A noite ainda teve o seu momento roots com violeiros tocando, ou melhor dizendo, tentando tocar, o rítmo típico da região, o siriri-cururu e os paraibanos do Cabruêra, trazendo para o século XXI a mistura de rock com música nordestina que Zé Ramalho e Alceu Valença faziam tão bem nos anos 70.
O Revoltz ali mesmo de Cuiabá mostrou um indie-rock bem feito, ainda que chavão, que perde um pouco pela ausência dos arranjos mais sofisticados presentes no CD do grupo.
Quem fechou o festival foram os filhos mais ilustres da cena rock Cuiabana, o Vanguart. Apesar de bons instrumentistas, ainda sente-se falta de melodias mais fortes, de mais letras em português para que o público possa realmente soltar a voz e um pouco mais de desenvoltura no palco por parte do vocalista Hélio Flanders que também peca por exagerar em certos maneirismos vocais.

Leandro Saueia