A morte de um artista sempre nos entristece, ainda mais quando a pessoa se vai de forma repentina e inesperada como foi o caso do Chorão na madrugada de hoje. Nessas horas fica sempre difícil ser objetivo até porque a força dos eventos naturalmente nos deixa menos focados. Portanto é difícil nesse momento querer medir a exata importância da banda e dele dentro da nossa música, onde ele acertou e onde errou e tantas outras coisas que, sinceramente, agora são irrelevantes e deverão ser analisadas daqui algum tempo.

Por ora o que podemos dizer com certeza é que Chorão deixou uma obra que pode sim ser chamada de vasta. São nove discos de estúdio sem contar o décimo que já estava pronto, e mais dois trabalhos ao vivo, um verdadeiro recorde se compararmos com a produção de seus colegas de geração.

Mas além da quantidade, também podemos afirmar que os trabalhos da banda todos mantinham um certo padrão. O som da banda nunca foi para todo mundo e o vocalista sabia bem disso, daí a preocupação maior em agradar aos seus inúmeros fãs ao invés de ficar tentando emplacar um hit no rádio ou na novela a todo custo. No momento é assim que devemos nos lembrar de Chorão: como um cara simples, que passou por dificuldades mas nunca desistiu de seu sonho.

Foi a sua obstinação que o fez ir até o fim até que a sua banda conseguisse um lugar ao sol. E foi essa mesma obstinação que o fez prosseguir mesmo nos momentos mais complicados. Mesmo que você nunca tenha gostado da banda ou simpatizado com o vocalista, não se pode negar que ele deixa uma lição de que vale sim correr atrás dos seus ideias principalmente se você realmente acredita neles.

Nesse especial o Vagalume relembra a trajetória de Chorão ao lado do Charlie Brown Jr. lembrando todos os discos e falando um pouquinho de cada um deles. Esperamos que vocês gostem.

---

Chorão já estava na batalha desde o começo dos anos 90 em Santos, litoral de São Paulo. Chorão, Champignon, Marcão, Pelado e Thiago demoraram um pouco atá acharem sua verdadeira identidade - a banda chegou a fazer alguns shows com letras em inglês, algo muito comum na época. Barreiras linguísticas a parte o fato é que a preferência por estilos " de rua", seja hardcore, punk, reggae, rap ou thrash metal estava ali desde o começo.

Chorão sempre acreditou que seu futuro estava de fato na música e foi com obstinação que ele foi atrás de seu sonho, entregando suas demos para quem pudesse ajudar e começando assim a criar a base de fãs que logo lhe trariam fama.

Em 1997 ele finalmente começou a ver seu sonho se tornar realidade graças ao produtor Rick Bonadio que os contratou para fazer parte do cast da gravadora Virgin que naquele momento chegava ao Brasil.
Aproveitando uma das melhores épocas da nossa indústria fonográfica - quando as vendas eram enormes e o dinheiro circulava em grandes quantidades - a banda e o produtor botaram a mão na massa e criaram um disco muito bem pensado.
"Transpiração Contínua Prolongada" apresentou assim o CBJR para o Brasil. O som ao mesmo tempo pesado mas sem abandonar o pop, as letras sobre o cotidiano nas grandes cidades, a imediata ligação com a cultura do skate e a proficiência dos músicos bastaram para fazer do grupo um sucesso quase que imediato. Começava aqui a escalada da banda que em pouco tempo se tornaria a mais popular do país.

---

Uma das maiores sacadas da banda, e de seus produtores, foi o de não deixar que os períodos entre os lançamentos ficassem muito longos. Graças a essa estratégia a banda lançou uma quantidade bem maior de discos que todos os seus companheiros de geração.

"Preço Curto... Prazo Longo", o segundo cd saiu, já em 1999 e tinha como principal missão não apenas manter o nome da banda, mas principalmente ampliá-lo. A tarefa foi plenamente conquistada muito por conta do hit "Te Levar, um dos maiores que o quinteto teria em toda sua carreira e que levou a música da banda para muito além do público de rock em português.

O grupo também se abriu para maiores experimentações. Bastante longo - em seus 65 minutos entraram 25 músicas, incluindo algumas vinhetas - o álbum comprovava novamente que o grupo seguia como um dos mais entrosados musicalmente do cenário, contando com o apoio da gravadora e o carisma naturald e sue líder e vocalista realmente a banda não tinha como não seguir crescendo, mesmo que boa parcela da crítica não os visse com bons olhos.

---

Lançado no ano 2000 "Nadando Com Os Tubarões" serviu para manter a banda em alta. Os shows estavam sempre lotados, os clipes cada vez mais bem produzidos e os sucessos iam se sucedendo. Foi talvez aqui que a imprensa começou a perceber que o CBJR não era mais uma moda passageira e que Chorão já começava a se tornar uma espécie de modelo para muitos adolescentes brasileiros.

Um modelo às avessas naturalmente e por isso mesmo extremamente fascinante para eles. Afinal ele era o maior exemplo do cara "errado" que deu certo. A falta de papas na língua e o jeito de quem não leva desaforo pra casa, só faziam aumentar a mítica do cantor.

"Nadando Com Os Tubarões" também tinha "Não É Sério" que mostrava que o cantor também evoluía enquanto letrista e que ele demonstrava enorme capacidade de expressar as opiniões de seu público.

---

"100% Charlie Brown Jr. - Abalando a Sua Fábrica" ficou marcado por trazer a primeira baixa à estrutura da banda com a saída do guitarrista Thiago Castanho - que retonaria ao grupo em 2005. Lançado em 2001, esse é considerado o disco mais punk da banda, com diversas faixas mais rápidas e pesadas em contraponto às influências de rap quer até então eram mais comuns.
Talvez isso tenha sido influência do novo produtor Carlo Bartolini (o Carlinhos que foi guitarrista do Ultraje a Rigor). Entre os vários sucessos do disco o destaque fica com a simpática e otimista "Hoje Eu Acordei Feliz" que mostrava que o vocalista da banda aos poucos estava deixando toda sua raiva e frustração finalmente para trás.

---

"Bocas Ordinárias" de 2002 foi considerado pelo próprio Chorão uma sequência natural do álbum anterior. O disco se tornou um dos mais bem sucedidos da carreira do grupo chegando às 500 mil cópias - número altíssimo numa época em que a pirataria e os downloads ilegais começavam a dizimar a indústria fonográfica.
Um disco curto e grosso - são 12 faixas em 40 minutos - o álbum é lembrado principalmente por "Só Por Uma Noite" outros do hits da banda que ficarão pra história do pop brasileiro e pela regravação de "Baader-Meinhof Blues" do primeiro disco da Legião Urbana. O sucesso do álbum deve ter deixado o vocalista aliviado já que no ano anterior Chorão perdeu seu pai e ficou por um bom tempo deprimido e sem querer trabalhar.

---

Lançado um ano após o bem sucedido "Acústico MTV", A maior surpresa de "Tamo aí na Atividade" de 2004 foi a volta do produtor Rick Bonadio à cadeira de produção, não que a volta dele tenha alterado muito a sonoridade da banda - a essa altura mais do que consolidada, mas para os fãs foi bom vê-los trabalhando juntos novamente. "Tamo aí..." a partir do título já entrega o que periga ser o disco mais malaco dessa banda malaca por excelência. Isso pode ser comprovado pelos próprios títulos de certas músicas (Eu Vim de Santos, Sou Charlie Brown ou O Errado Que Deu Certo) e do próprio álbum já entregam. Quem ouviu na época tratou como mais um disco da banda, mas ninguém imaginava a reviravolta que estava por vir.

---

A notícia de que todos os instrumentistas do Charlie Brown Jr. estavam deixando a banda por motivos nunca bem explicados - oficialmente o velho chavão "divergências musicais" foi usado. A dúvida que pairava no ar era se só o carisma de Chorão seria suficiente para manter a banda na ativa, afinal tão importante quanto o vocalista era a sempre elogiada competência instrumental dos músicos que o acompanhavam.

Pois não é que o vocalista mostrou novamente que nada o tiraria de seu caminho? Em pouco tempo Chorão já tinha arrumado novos músicos para, agora mais que nunca, sua banda. Thiago Castanho o antigo guitarrista foi chamado de volta e aceitou.

André Ruas, o Pinguim assumiu a bateria e Heitor Gomes foi para o baixo. Todos eles santistas, mostrando que o cantor ainda prezava as suas raízes e um feito admirável, já que alguém na posição dele poderia muito bem ter conseguido alguns dos melhores instrumentistas em atividade no país.

Com sede de mostrar que essa nova banda não devia nada para a antiga eles logo caíram na estrada e lançaram bem antes do que se podia esperar mais um álbum.

"Imunidade Musical" foi novamente produzido por Bonadio e é um disco extremamente longo com suas mais de 20 músicas e quase 80 minutos de duração.

Mais que qualquer coisa o disco provou mesmo que se o CBJR tinha uma alma ela atendia pelo nome de Chorão, que aqui ficava mais do que provado era de fato o comandante da embarcação, como ele costumava falar.

---

Vendo que sua banda continuava engrenada Chorão sentiu que podia ampliar seus horizontes e que só a música já não bastava para ele. Ele então criou o roteiro de "O Magnata" que chegou aos cinemas em 2007.

O filme foi rejeitado pela crítica e teve sucesso moderado de público com seus 140 mil expectadores. Antes disso ele já havia bancado em Santos a construção do "Chorão Skate Park" uma pista de skate indoor que se tornou referência nacional para o esporte.

Se o filme não foi tão bem, ao menos "Ritmo, Ritual e Responsa", o álbum que trazia parcialmente a sua trilha foi muito bem recebido.

Uma grande celebração da banda e de suas influências o disco trazia as particiapções de diversos amigos e ídolos do grupo como o rapper MV Bill, Joçao Gordo do Ratos de Porão e o veterano grupo da cena punk paulistana Lobotomia.

---

"Camisa 10 (Joga Bola Até na Chuva)" o décimo disco saiu em 2009 e teve novamente a produção de Rick Bonadio. O álbum marcou a entrada de Bruno Graveto como baterista e trouxe novos ares para a banda e seu som.

A canção "Só Os Loucos Sabem" um clássico instantâneo do grupo com toda pinta de que será a mais lembrada pelos fãs da banda após a morte repentina de Chorão.

Uma balada melancólica mas de tom esperançoso, com uma letra que mostrava que o cantor estava numa nova fase, mais tranquila e feliz, a faixa certamente nunca mais será ouvida da mesma forma.

---

"Camisa 10" fica assim como o último disco de estúdio do Charlie Brown Jr. lançado com Chorão em vida. O álbum "La Familia 013" que já estava pronto e com o lançamento engatilhado se tornará assim o primeiro disco póstumo do vocalista.

Entre esses dois álbuns temos ainda o ao vivo "Música Popular Caiçara" do ano passado. Um disco que sem querer serviu para fechar um círculo. Isso porque o disco marcou a volta de Champignon e Marcão ao seio da banda e porque ele teve boa parte de suas músicas gravadas em um show em Santos, a cidade natal da banda que tanto inspirou o seu líder e vocalista.

---