Há exatos 50 anos, as lojas de discos dos EUA e do Reino Unido, e também de outras partes do mundo, começaram a receber as cópias de um álbum duplo com uma capa estranha, com uma colagem de várias fotos que pareciam ter sido tiradas há muitos e muitos anos, com destaque para a de um homem com três bolas (tênis, golfe e bilhar) em sua boca. O álbum, duplo, se chamava "Exile On Main St." e era o décimo disco, pela contagem inglesa, dos Rolling Stones.
Ainda que esteja fincado no blues, rock and roll, R&B e country, estilos que sempre guiaram a banda, "Exile" soava diferente de tudo que eles já haviam feito até então e, ainda hoje, é um trabalho único dentro da carreira do grupo.
O disco transmite uma aura de sujeira e perigo que refletem as suas gravações. Em 1971, Jagger, Richards e cia. estavam em uma fase conturbada, com Keith Richards viciado em drogas pesadas, Mick prestes a se casar e a banda toda devendo milhões em impostos, o que os obrigou a deixar a Inglaterra e irem para a França como "exilados fiscais".
Para piorar, a fama de "foras da lei" também estava criando problemas para que eles pudessem entrar nos EUA e sair em turnê, algo que geraria uma renda fundamental para tirá-los daquela situação.
"Exile" foi quase todo gravado em Nellcôte, a suntuosa mansão que Keith alugou na Côte d'Azur e que virou um paraíso para todo tipo de desajustados. Era um verdadeiro entra e sai de traficantes, amigos (e "amigos"), namoradas, músicos (o pioneiro do country rock Gram Parsons, grande amigo de Keith, era figura constante, até Jagger bani-lo do "círculo stoneano". O músico morreria pouco depois).
Um estúdio foi montado no porão e as gravações iam rolando de maneira pra lá de desordenada - basicamente quando Keith acordava, sempre em horários nada comuns, algo que irritava em particular o baixista Bill Wyman e o baterista Charlie Watts. Para completar, Mick Jagger, preocupado com a cerimônia de casamento com Bianca Macías (ou Bianca Jagger como ela ainda usa, ainda que tenham se divorciado em 1978), também não era uma figura muito presente na casa - e não gostava nada do que via quando ia para lá.
Como sempre foi comum na carreira dos Stones, eles também tinham algumas sobras de material que foram incorporados ao repertório e acabaram com o primeiro álbum duplo da carreira e, com 18 músicas e 67 minutos, o mais longo. A polida final foi feita nos EUA e foi ali, no Sunset Sound, que o álbum tomou sua forma definitiva.
Com sua pegada suja, é difícil entender o que Jagger fala, com a voz dele enterrada na mixagem, e letras que tratam diretamente de drogas pesadas e outros assuntos nada amenos, "Exile" logo foi abraçado por fãs e boa parte da crítica. E com razão, afinal o que se via ali era um grupo no auge e com aquela que, para muitos admiradores e jornalistas, era a sua formação definitiva, com Mick Taylor na guitarra.
O tratamento da crítica para com o disco é interessante. Há décadas, o LP é tratado como clássico da música e se tornou o álbum mais bem posicionado deles em listas de melhores discos já feitos (e sempre está lá nos primeiros lugares).
Mas, no começo, ele foi visto com certa reserva pela imprensa - com o velho jargão "as melhores músicas dariam um bom disco simples" sendo muito usado.
A relação da banda, Jagger em particular, com o trabalho também sempre foi ambígua, para dizer o mínimo. Ele já disse em entrevistas que não entende muito o culto em torno da obra, achando que discos como "Sticky Fingers" (1971) ou "Let It Bleed" (1969) são mais bem acabados.
Isso pode ser visto nos repertórios dos shows. Depois da turnê de 1972, obviamente eles conseguiram os vistos de trabalho para tocar nos EUA, as músicas do disco praticamente sumiram dos shows, com duas honrosas exceções: "Tumbling Dice" ganhou presença quase que definitiva em todos os concertos e "Happy", com vocais de Richards, também virou presença certa no momento do show em que ele assume o microfone.
Nas quatro vindas do atual trio ao Brasil, essas foram, praticamente, as únicas amostras de "Exile" nos shows ("Rocks Off", forte concorrente a abertura mais potente de um disco de rock, foi ouvida no primeiríssimo show deles por aqui, em São Paulo, no dia 27 de janeiro de 1995) e "All Down The Line" foi uma das surpresas do concerto que eles fizeram na cidade mais de dez anos depois, em fevereiro de 2016. Lá fora, especialmente nos EUA, a country "Sweet Virginia" costuma ser desenterrada de tempos em tempos.
Desta vez, "Exile On Main St." não está sendo celebrado com edições especiais ou grandes festividades. O motivo é que isso já aconteceu há dez anos, quando o álbum foi relançado em diversos formatos, incluindo uma caixa luxuosíssima, em que o maior destaque foi um disco bônus com canções da época que ficaram de fora do LP original (as músicas inacabadas foram finalizadas já no século 21).
Ouça o clássico na íntegra:
Ainda que esteja fincado no blues, rock and roll, R&B e country, estilos que sempre guiaram a banda, "Exile" soava diferente de tudo que eles já haviam feito até então e, ainda hoje, é um trabalho único dentro da carreira do grupo.
O disco transmite uma aura de sujeira e perigo que refletem as suas gravações. Em 1971, Jagger, Richards e cia. estavam em uma fase conturbada, com Keith Richards viciado em drogas pesadas, Mick prestes a se casar e a banda toda devendo milhões em impostos, o que os obrigou a deixar a Inglaterra e irem para a França como "exilados fiscais".
Para piorar, a fama de "foras da lei" também estava criando problemas para que eles pudessem entrar nos EUA e sair em turnê, algo que geraria uma renda fundamental para tirá-los daquela situação.
"Exile" foi quase todo gravado em Nellcôte, a suntuosa mansão que Keith alugou na Côte d'Azur e que virou um paraíso para todo tipo de desajustados. Era um verdadeiro entra e sai de traficantes, amigos (e "amigos"), namoradas, músicos (o pioneiro do country rock Gram Parsons, grande amigo de Keith, era figura constante, até Jagger bani-lo do "círculo stoneano". O músico morreria pouco depois).
Um estúdio foi montado no porão e as gravações iam rolando de maneira pra lá de desordenada - basicamente quando Keith acordava, sempre em horários nada comuns, algo que irritava em particular o baixista Bill Wyman e o baterista Charlie Watts. Para completar, Mick Jagger, preocupado com a cerimônia de casamento com Bianca Macías (ou Bianca Jagger como ela ainda usa, ainda que tenham se divorciado em 1978), também não era uma figura muito presente na casa - e não gostava nada do que via quando ia para lá.
Como sempre foi comum na carreira dos Stones, eles também tinham algumas sobras de material que foram incorporados ao repertório e acabaram com o primeiro álbum duplo da carreira e, com 18 músicas e 67 minutos, o mais longo. A polida final foi feita nos EUA e foi ali, no Sunset Sound, que o álbum tomou sua forma definitiva.
Com sua pegada suja, é difícil entender o que Jagger fala, com a voz dele enterrada na mixagem, e letras que tratam diretamente de drogas pesadas e outros assuntos nada amenos, "Exile" logo foi abraçado por fãs e boa parte da crítica. E com razão, afinal o que se via ali era um grupo no auge e com aquela que, para muitos admiradores e jornalistas, era a sua formação definitiva, com Mick Taylor na guitarra.
O tratamento da crítica para com o disco é interessante. Há décadas, o LP é tratado como clássico da música e se tornou o álbum mais bem posicionado deles em listas de melhores discos já feitos (e sempre está lá nos primeiros lugares).
Mas, no começo, ele foi visto com certa reserva pela imprensa - com o velho jargão "as melhores músicas dariam um bom disco simples" sendo muito usado.
A relação da banda, Jagger em particular, com o trabalho também sempre foi ambígua, para dizer o mínimo. Ele já disse em entrevistas que não entende muito o culto em torno da obra, achando que discos como "Sticky Fingers" (1971) ou "Let It Bleed" (1969) são mais bem acabados.
Isso pode ser visto nos repertórios dos shows. Depois da turnê de 1972, obviamente eles conseguiram os vistos de trabalho para tocar nos EUA, as músicas do disco praticamente sumiram dos shows, com duas honrosas exceções: "Tumbling Dice" ganhou presença quase que definitiva em todos os concertos e "Happy", com vocais de Richards, também virou presença certa no momento do show em que ele assume o microfone.
Nas quatro vindas do atual trio ao Brasil, essas foram, praticamente, as únicas amostras de "Exile" nos shows ("Rocks Off", forte concorrente a abertura mais potente de um disco de rock, foi ouvida no primeiríssimo show deles por aqui, em São Paulo, no dia 27 de janeiro de 1995) e "All Down The Line" foi uma das surpresas do concerto que eles fizeram na cidade mais de dez anos depois, em fevereiro de 2016. Lá fora, especialmente nos EUA, a country "Sweet Virginia" costuma ser desenterrada de tempos em tempos.
Desta vez, "Exile On Main St." não está sendo celebrado com edições especiais ou grandes festividades. O motivo é que isso já aconteceu há dez anos, quando o álbum foi relançado em diversos formatos, incluindo uma caixa luxuosíssima, em que o maior destaque foi um disco bônus com canções da época que ficaram de fora do LP original (as músicas inacabadas foram finalizadas já no século 21).
Ouça o clássico na íntegra: