Sérgio Ricardo
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A Noite do Espantalho

Sérgio Ricardo


A NOITE DO ESPANTALHO

Sou cantador de Cajazeira
E vim cantar a minha gente
Gente que não foge do aço
Gente que não corre de macho
Nem de onça ou de mulher
Venho cantar a minha gente
Lá das bandas de Cajazeira
Onde um coronel diz que é dono de tudo
Coronel Fragoso
Horroroso, viúvo, velho, e "varrigudo"
Como dizia o bom Joaquim pelas ruas de Piancó
Fazendo chacota dele
Quando alguém dizia que em compensação
Ele tinha a casa mais bonita da cidade
Quero um cantinho nessa feira
Prá eu cantar a minha gente
Gente que não foge da terra
Gente que não corre de guerra
De arruaça e o que vier
E não foge tampouco do coronel Fragoso
De quem todo mundo corre
E quase se borra de medo
Quando ele vem subindo a jaqueira
Enfezado com a debandada de sua gente
Ou com a seca do sertão
Quem quizer que venha ver meus causo
Que eu conto com satisfação pra clarear as cabeças
De bom pensar
Sobre o acontecido em Cajazeira
Lá onde um coronel diz que é bom que só Deus
Porque dá metade pra quem planta
e cuida do seu gado
Quem quiser que venha ver
se está tudo certo ou errado
No meu causo acontecido
Se gostar que faça uso e bom proveito
Se não gostar
continue deixando tudo esquecido

***

Tem dó dele tem
tem dó dele que ninguém tem
dó só dele tem
quem carece de dó também

***

Êta mineiro ê
Êta mineiro a
Venha cá que eu trago história
Venha cá se arrepiar
Toda história que se conta tem mentira dentro
Tem valente que não é valente
Tem tristeza que não leva a gente
Tem amor que acaba de repente
Tem chão verde que não dá semente
Êta mineiro ê etc….
Toda mentira que se conta tem verdade dentro
Tem covarde que um dia é valente
Tem tristeza funda que só cacimba
Tem amor que dura mais que a gente
Até chão seco um dia dá semente
Êta mineiro ê etc….

***

Atenção se esconda agora
Bota a capela no padre
Tira o padre da capela
Bota a janela na moca
Tira a moça da janela
que aí vem desembestado
o mais cruel e malvado
jagunço dessa onça de terra
Meu nome é Zé do Cão
Jagunço não nego não
A vida me deu por sorte
Levar a morte pelo sertão
Meu nome é Zé do Cão
De morte ainda intero mil
Meu Deus é minha peixeira
e meu padroeiro o Santo fuzil

***

Não sei mais sorrir
Não sei mais chorar
Vou fazer das penas
Do meu penar
Uma ave branca
E sair pro céu
E seguir no céu
Os caminhos do mar
E olhar o mar
E ficar no mar
E deixar no mar
A pena e o penar
E depois voltar
Sem pena e penar
E depois sorrir
E depois chorar.Bento Terêncio Severino e Lucas
Vem cá vem cá me ouvir
Não tá certo ir se embora
Não tá certo não partir
Quem parte morre la fora
Quem fica morre de não ir
Nossa reza é fé na terra
Fé nas mãos que a gente tem
Não adianta Zé Tulão
Vontade do coroné é faca de duas ponta
Eu sei disso meus irmão
O ano inteiro a gente só plantou
pra semente dar
Temo é que ficar
Pra cumprir nosso trato com seu coronel
Que vai ter de pagar
Não dá certo Zé Tulão
Chuva que é bom não cai
E não vai ter nada pra ninguem
vem o coronel pra levar a metade dele
e a nossa parte a seca já levou
nada disso não óxente
a nossa parte o coronel
vai ter que nos entregar
se a terra é dele
e a sêca é da terra
a sêca e a terra são lá
dos seu coroné
Pediu pra dizer olerê
Eu digo o que sei olará
Mas se não pedir olerê
Eu digo assim mesmo olará
Só falta dar o que não tem
Pra quem só tem e não que dar

***

Rei dos porões
Do reino animal
Macauã
Rei dos dragões
Do reino animal
Macauã
Satanáz diz que ele é seu pai
E a mãe de Zé Bedeu
Macauã

***

Primeiro dia de folga
Combinaram um mutirão
Veio todo o povoado
Ajudar o Zé Tulão
Bento Terêncio Serverino e Lucas
Homem mulher velho criança e cão
Todo mundo deu seu pouco
Até Maria do Grotão
Amarra o pau bate o pau
Segura com pau de forquilha
E bota um outro pau
Macacada amarra o pau etc…
Zé Tulão pagou com festa
O trabalho dos irmãos
Veio todo o povoado
Só ficou quem tinha dor
Bento Terêncio Severino e Lucas
Homem mulher velho criança e cão
Todo mundo abriu a roda
Pra Maria e Zé Tulão
Amarra o coco vai Tulão
Segura na cintura dela
e bate o pé no chão
Macacada
Amarra o coco etc…
Lá vou eu Tulão das estrelas
Tulão raio
Tulão das estrada
Lá vou eu
Êeeeee boi

***

Em noite de luar no céu
Maria do Grotão, ai, se deu
Um cão latindo ao longe
E Zé Tulão derrubou sua fulô
Os gemidos de Maria
Só quem pôde ouvir
Foi Mandacarú
Dorme que só é bom sonhar
Sonha que o mundo vai se acabar
Que a gente foi pra longe onde ninguém
Tem carência de levar
O que a gente fez nascer
Com trabalho e dor
Morte e amor.

***

Vamo falá lá com seu coroné
Que não tá certo não a gente dividir
De tanta vaca ficou umazinha só
De tanto milho uma espiguinhas só
E todo mundo quer
E tem razão de se querer
E todo mundo quer
Que tem seus filho e tem mulher
Que não tá certo ficar vendo
O mundo se acabar
No retão das amarguras
Nos rumos do mar
E todo mundo quer…
***
Fé na terra e pé na estrada
Ferra o pensamento e vamo andá
Olha a morte chegando
Na dança do amanhecer
Olha os anjos trazendo
Incelencas no seu cantar
Olha que é vem la longe
Os capetas todos do inferno
Vem pra levar mais um pecador
Olha os olhos da morte
Espiando em toda oração
Ouve o cantar dos anjos
Abrindo as portas do céu
Veja a vereda e o fogo
Trazendo o inferno em festa
Olho por olho em cada olhar
Virgem santa o meu medo é tanto
Que chego a me arrepiar
Quando vejo meus companheiros
Partindo pra não voltar
Nesta estrada desesperada
Chegança em nenhum lugar
Quando a terra se arrebenta
Sem jeito de consertar***
Boas tarde coroné
Se vem a seca a gente não tem culpa
A culpa é do céu
Se a terra é sua e a sêca é da terra
A terra e a sêca são do senhor Coroné
Nada disso não oxente
Já que a terra é minha então
É claro é minha também
A vaca Zabé
E as espiga de milho
E não tem nenhum macho que venha levar
Vamo sim seu coronel
E tamo aqui pra isso
E ninguém mais vai arredar pé
Se quiser por bem vamo lá se explicar
Se não quiser por bem
Marque hora e lugar
Pediu pra dizer olerê
Eu digo o que sei olará
Mas se não pedir olerê
Eu digo assim mesmo olará
Só falta dá o que não tem
Pra quem só tem e não qué dá

***

Primeira nuvem no céu
A tristeza se arribou
Veio todo o povoado
Só ficou quem tinha dor
Bento Terêncio Severino e Lucas
Homem mulher velho criança e cão
Todo mundo foi pro campo
Até Maria do Grotão
E vai chover chuva chover
E vai ter festa a noite inteira
Se chuva chover
macacada
E vai chover etc…
Lá vou eu Tulão das estrelas…
***
Severino me arresponda
Quantos burro deu a mula
Além desse que é Terém
Além de Terém deu a mula outro burro
que morreu com a sêca que vai e que vem
A terra é do coronel
Se vem a seca a gente não tem culpa
A culpa é do céu
Se a terra é dele
E a seca é da terra
A terra e a sêca são lá do seu Coronel
Nada disso não oxente
Se a terra é dele então é claro
É dele tambem
O que dá na terra o que cresce na terra
E é portanto dele o burrico Terem
O burro do coronel
Morreu com a seca e está na terra farta
Que deus lhe deu
O terém é a paga de quem trabalhou
E a minha conta só burro não percebeu

***

Zé Tulão é chegada a tua hora
Vá fazendo o teu último pedido
É na faca é na foice é no estampido
É no verso é na rima e sem demora
Já que tu vai correr comece agora
Que no fim da peleja esta Maria
Vai levar das minhas mãos a luz do dia
Que só sendo jagunço em qualquer lida
Pode o cabra possuir tudo na vida
E entregar a uma mulher toda alegria
Treme a terra e o trovão se arrebenta
Toda vez que um vaqueiro se enfurece
Mãos pro céu se levantam numa prece
Corre o fraco e o forte não se aguenta
Pára o rio o mar não se movimenta
E se então é por amor a luta dobra
Pois coragem de amar tenho e de sobra
Se acabou Zé do Cão prepara a cova
Que eu te pego te alejo e dou-te sova
E te faço rastejar pior que cobra
É o inferno no meu canto de guerra
Pois consigo arrancar da pedra o pranto
O meu nome é temido em todo canto
Onde voam as aves sobre a terra
E se existe um amor atras da serra
Não há nada que feche o meu caminho
Eu enfrento a vereda e todo espinho
Ouve bem Zé Tulão segura o tombo
Que eu te capo te esfolo caço e zombo
Sou leão e tu és o passarinho
Se é o inferno no teu canto de guerra
É no inferno o meu canto de paz
Por amor eu derrubo Satanás
Bem e mal são a luta desta terra
Mas comigo o que é mal a lança ferra
Corre Cão Pé de Vento e Lucifer
Corre todo diabo que vier
Pelo bem desse amor digo e não nego
Eu enfrento um batalhão e não me entrego
Zé do Cão tu pra mim é uma mulher

***

Bento, Terêncio, cadê eles
Foi o jagunço que matou
Bento, Terêncio, cadê eles
Foi o jagunço do coronel
A noite que tinha era escura
Que santo nenhum podia alumiar
Noite que só dá lobisomem
E os home do seu coroné
Mataram o Terêncio dormindo
E Bento que fazia um Bentinho
Pegaram todo milho que tinha
E a pobre da vaquinha Zabé
Zeferino ta morto no mato
E Lucas ficou sem cabeça
Só falta você Tulão
E é vem jagunço

***

Ê … sai da toca seu jagunço
Que eu não mato à traição
Sai da toca seu macaco
Vem que eu te pego e te capo
Vem que eu dou conta de cinco
Vem que eu dou conta de seis
Vem jagunço traiçoeiro
Que eu mato um de cada vez
Tome peixeira no bucho
Agora é cinco o que era seis
Tome peixeira no bucho
Lá se foi um , dois e strês
Tome peixeira no bucho
Agora só tem nós três
Tome peixeira no bucho
Falta um pra interar seis.

***

Quando o corpo vai prum lado
e vai pro outro o coração
cante que só passarinho
jogue o corpo na canção
que o coração vê caminho
e os pés se movem no chão

****

Homem mulher velho criança e cão
Desce o corpo do vaqueiro
Que tambem era o jagunço
Todos dois num homem só
Joga terra em cima dele
Que seu nome é pedra é pó

***

Rei dos porões
Do reino animal
Macauã
Rei dos dragões
Do reino animal
Macauã
Satanáz diz que ele é seu pai
E a mãe de Zé Bedeu
Macauã

Compositor: Joao Lutfi (Sergio Ricardo)
ECAD: Obra #1905318 Fonograma #3232562

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