Tu podes bem guardar os dons da formosura Que o tempo, um dia, há de implacável trucidar Tu podes bem viver ufana da ventura Que a natureza, cegamente, quis te dar
Prossegue embora em flóreas sendas sempre ovante De glórias cheia no teu sólio triunfante Que antes que a morte vibre em ti funéreo golpe seu A natureza irá roubando o que te deu
E quanto a mim, irei cantando o meu ideal de amor Que é sempre novo no viçor da primavera Na lira austera em que o Senhor me fez tão destro Será meu estro só do que for imortal
Terei mais glória em conquistar com sentimento Pensantes almas de valor e alto saber E com amor e com pujança de talento Fazer um bargo ternas lágrimas verter
Isto é mais nobre é mais sublime e edificante Do que vencer um coração ignorante Porque a beleza é só matéria e nada mais traduz Mas o talento é só o espirito e só luz
Descantarei na minha lira as obras-primas do Criador Uma color da flor desabrochando à luz do luar O incenso d'água que nos olhos faz a mágoa rutilar Uns olhos onde o amor tem seu altar
E o verde mar que se debruça n'alva areia a espumejar E a noite que soluça e faz a lua soluçar E a estrela d'alva e a estrela Vésper languescente Bastam somente para os bardos inspirar
Mas quando a morte conduzir-te à sepultura O teu supremo orgulho em pó reduzirá E após a morte profanar-te a formosura Dos teus encantos mais ninguém se lembrará
Mas quando Deus fechar meus olhos sonhadores Serei lembrado pelos bardos trovadores Que os versos meus hão de na lira em magos tons gemer E eu, morto embora, nas canções hei de viver
Compositores: Catulo da Paixao Cearence (Catulo da Paixao), Edmundo Octavio Ferreira ECAD: Obra #30235 Fonograma #1182959